domingo, 8 de agosto de 2021

PaternalMente


Ilustração: Davide Bonazzi

Entre pais e filhos
Autor: Juliano Nery

Há alguns anos descobri o significado da paternidade. Naquela época, eu carregava uma bagagem de 23 anos como filho e, diante do berço da minha pequena prole, dupliquei-me nos papéis que me cabiam na vida: agora eu era pai sem deixar de ser filho. O novo cargo começou algumas reflexões e encerrou algumas injustiças que pratiquei com meu pai.

Passei a perceber, desde então, que a relação entre pai e filho não é uma ligação visceral e estabelecida desde o princípio, como acontece com a mãe. Com o pai é depois que se ganha o mundo que a relação se constrói. E como toda relação construída, é preciso perseverança para que ela dê bons frutos. É necessário estar constantemente próximo, cultivando a vida: vibrar com o dente que nasce, as primeiras palavras, o dia de aula, o gol... Momentos em que muitas vezes as necessidades e obrigações cotidianas apresentam um cenário de altos volumes de trabalho, crises conjugais e outros atrativos menos nobres...

São estes cenários que desenham o afastamento de muitos pais, que encontram alívio na televisão, na companhia dos amigos, nos esportes de extravasamento de estresse e se tornam negligentes em acompanhar os filhos. Assim fica deficiente ou inexistente a intimidade e naturalidade necessárias na relação entre amigos e educadores...

Muitos filhos, então, buscam formas ruins de mostrar a ausência dos pais. Quando somos filhos, somos egocêntricos. Não entendemos os motivos e nem somos afeitos a justificativas. Nossos pais pisaram na bola e ponto final! É somente a partir do momento em que nos tornamos pais que percebemos as coisas por outro ponto de vista.

Hoje, como pai, tento não sucumbir ao poder do cotidiano e das infindáveis seduções que a vida oferece. Tento ser presente e generoso, lembrando que cada um só pode oferecer aquilo que tem. Pais muitas vezes são mal interpretados e vistos como vilões, mas na maioria das vezes são filhos que se tornaram órfãos de referências e infelizes em suas escolhas e resultados, enquanto tentam construir ou reconstruir suas relações. Ligações que talvez só façam sentido e sejam vividas de forma mais generosa e amorosa quando os filhos se tornarem pais – de seus próprios filhos ou de seus pais, por conta da velhice.

Adaptação do texto retirado das páginas 43 e 44 do livro
Deus sabe de tudo e não é dedo-duro
Funalfa, Juiz de Fora, 2010.

Obs: Postagem realizada mediante prévia solicitação ao autor.

Livro : Deus sabe de tudo e não é dedo-duro
Foto: Sylvio Bazote

Os textos integrantes desta coletânea foram escritos entre o fim de 2008 e início de 2010. 
Constituem um interessante registro e valem pelas reflexões que os temas provocam.

Para trocar ideias com Juliano Nery ou adquirir seu(s) livro(s), entre em contato com o e-mail:
julianonery@yahoo.com.br

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