O segredo
No sobrado em que funcionou, há tempos, um
departamento do Ministério da Agricultura, situado atrás da igreja de São
Gonçalo Garcia, residia outrora um opulento capitalista, de nome Rogério,
casado com uma senhora cuja perversidade era o terror da mísera escravaria às
suas ordens.
Entre os escravos havia uma jovem mulata chamada
Julieta, cuja beleza e juventude alvoroçaram, logo que chegou, os sentidos do
senhor, homem forte, másculo e ainda relativamente moço.
A maneira branda por que, desde o primeiro dia,
começou a tratar a nova escrava, despertou incontinente os ciúmes da esposa,
dona Jacinta, que exigiu o mais depressa possível a venda da rapariga, com o
que não concordou Rogério, visto as razões secretas que tinha para conservá-la
em seu poder.
Suspeitando do esposo, pôs-se dona Jacinta a
espioná-lo, habilmente, e foi sem grande dificuldade que ficou sabendo que
Julieta era algo mais do que simples escrava...
Não deu a menor demonstração do que acabava de
verificar. Tornou-se até mais carinhosa para com o marido, a quem, dali por
diante, deixou de falar na venda de Julieta.
Um mês depois, Rogério fazia anos. A mulher quis,
ela própria, fazer o jantar. Aliás, não foi um jantar apenas melhorado que dona
Jacinta apresentou no dia, mas um verdadeiro banquete. Era grande a variedade
de pratos que enchiam a mesa, mas, entre todos, aquele de que mais gostou
Rogério foi um de picadinho de coração, muito de seu agrado e de que só ele
comeu e repetiu mais de uma vez, deliciado.
Findo o repasto, horas depois, precisou de Julieta.
Chamou-a em voz alta. Não teve resposta. Estaria no quintal? Gritou da varanda,
com mais força. A rapariga não respondia. Mandou que a procurassem. Ninguém a
encontrou. Desconfiado de que a mulher a tivesse vendido à sua revelia,
interpelou-a ardilosamente:
– Será que a mandaste a alguma parte, Jacinta?
– A Julieta?
– Sim, a Julieta! – exclamou Rogério, já de mau
humor.
– Bem, o coração tu o jantaste... O resto não
sei... pergunta ao Bento...
Tudo fora feito em segredo: o assassínio, a
abertura do peito, a retirada do coração, com a desgraçada ainda viva,
fortemente amarrada e com a boca entupida de pano, para que não se ouvissem
seus gritos. Em seguida, o enterro ali mesmo, onde se consumara o hediondo
crime.
Os escravos sabiam que Julieta tinha ido, durante o
dia, com a senhora e o Bento - escravo mau, que aplicava os castigos - para uma
capoeira próxima da cisterna. Depois disso, nunca mais a viram. Curiosos,
perguntaram ao odiado companheiro e algoz o que tinham ido fazer os três no
lugar de onde não mais voltara a bonita mulatinha.
– Ali há um segredo. Não posso dizer... Pagaria com
a vida...
E o local da tragédia ficou sendo, para os escravos, O Segredo – denominação esta que, mais tarde, se estendeu aos arredores e até hoje se conserva.
E o local da tragédia ficou sendo, para os escravos, O Segredo – denominação esta que, mais tarde, se estendeu aos arredores e até hoje se conserva.
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Págs. 45 a 50.
( Lincoln de Souza )
Lendas de São João del-Rei
Toda
cidade antiga tem suas lendas e São João del-Rei (MG) não foge desta regra. Estas lendas foram transmitas por tradição oral ao longo de gerações até serem reunidas num livro para registrá-las. Lincoln de Souza
escreveu em 1920 o livro "Contam que..." com as 12 lendas mais
famosas da cidade.
Editado e relançado diversas vezes, este livro foi uma das inspirações para a realização do
projeto teatral turístico "Lendas São Joanenses", que encena alguns destes "causos" pelas ruas da cidade histórica.
São histórias de mistério e horror, mas nada
muito diferente daquelas que costumávamos ouvir nas rodas entre amigos ou de
pessoas mais velhas, quando fazíamos alguma travessura...
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Para ler o livro na íntegra, acesse:
São João del-Rei
Transparente
https://saojoaodelreitransparente.com.br/works/view/310
São João del-Rei
On-Line
Lendas São-Joanenses
Depois dessa coração nem de galinha no espetinho.
ResponderExcluirGrande abraço do Universo