segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Lama em Brumadinho


Rompimento da Barragem 1 da Vale (em Brumadinho)

Há um mês, às 12:28hs do dia 25 de janeiro de 2019, ocorreu o rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, da Vale, localizada no município de Brumadinho (MG), liberando aproximadamente 12 milhões de m³ de rejeitos de mineração. Esta barragem faz parte do Complexo do Paraopeba  que inclui 7 barragens – foi construída em 1976 e não recebia mais rejeitos desde 2014, porque o processo de beneficiamento do minério passou a ser feito a seco.
Uma onda de lama, inicialmente com aproximados 12 metros de altura, atingiu a 70 Km/h um terminal ferroviário de carga e devastou o centro administrativo da mina (com escritórios, refeitório e um terminal de ônibus). A lama continuou pelo percurso do Córrego do Feijão, perdendo intensidade com as curvas, mas tendo ainda força e velocidade para destruir casas de um vilarejo, uma pousada, uma ponte ferroviária, na sequência invadindo fazendas e sítios, passando pelo bairro Parque da Cachoeira (soterrando as casas próximas ao curso d'água) e chegou ao rio Paraopeba às 15:50hs do mesmo dia.
Em seu caminho, a lama afogou e retalhou dezenas de pessoas (a maioria funcionários da Vale), matando do mesmo modo centenas de animais de estimação e de criação (vacas, porcos, cavalos, cães, gatos, etc.), além de destruir centenas de árvores da já reduzida Mata Atlântica.

Se comparado ao acontecido no município de Mariana, em 2015, este evento causou menos destruição ambiental e mais destruição humana. Os números, até este momento:
• 179 mortos
• 131 desaparecidos
• 192 resgatados vivos
• 394 pessoas desaparecidas e depois localizadas (225 da Vale e 169 da comunidade)
São 310 famílias impactadas pela morte de um ente querido. Para alguns o luto será pior. Corpos – ou seus pedaços, uma vez que alguns foram retalhados ao serem continuamente jogados contra concreto, ferragens e árvores – ainda não foram encontrados; e acredito que alguns nunca serão, uma vez que em alguns lugares acumulou-se até 20 metros de lama. Os parentes e amigos destes terão que se conformar com o sepultamento no esquecimento, na procrastinação e no descaso, atitudes estas que permitiram que a lição de Mariana não se tornasse ação que impedisse a repetição em Brumadinho.
Não que os prejuízos ao meio ambiente sejam pequenos e de rápida recuperação. Terras férteis usadas para plantio ou pastagem estão cobertas pela lama com produtos químicos usados na mineração e se tornaram inservíveis por muito tempo. Os cursos d'água afetados ficarão ainda por muitos anos contaminados pela lama que continua a vazar da barragem e continuará a se despregar das margens e fundo com chuvas ou futuras atividades humanas.
Se por um lado 350 animais foram resgatados vivos, não houve ânimo em contabilizar o número de animais que morreram. Estimativas indicam entre 2.000 e 2.500 bovinos, mais uma quantidade indefinida de porcos e galinhas, além de animais de estimação.

 
Esta nova tragédia é bem representativa de alguns aspectos do modo de ser brasileiro: a falta de atenção à manutenção preventiva; o não cumprimento de promessas por parte das autoridades (in)competentes; o sistema judicial lento e tendencioso favorecendo a quem possui muito dinheiro; a falta de compromisso de funcionários públicos com os objetivos de seus trabalhos; a ganância e falta de caráter de empresários que colocam a saúde dos outros em risco e o desamparo dos pobres.
Fatos inadmissíveis num país que se propõe a ser desenvolvido continuam a acontecer, de forma tão generalizada e repetitiva, que passamos a considerá-los como algo normal e não nos chamam a atenção ou causam a indignação que leva à ação:incompreensível permanência de instalações de uma empresa abaixo de uma barragem (ao invés de se localizá-las ao lado ou acima); um sistema de alarmes ineficiente (para que seja mais barato); equipamentos de medição ineficientes na barragem (por serem mais baratos?) e demora nas ações de reforço e escoamento da barragem (para reduzir custos e aumentar lucros). Tudo isso resulta em mais benefício para os donos das mineradoras e mais insegurança para os trabalhadores e moradores que estão envolvidos ou próximos.

O presidente brasileiro Artur Bernardes (1922 a 1926) afirmou que "minério não dá duas safras", ao enfatizar que a atividade de mineração tem que ser feita com planejamento e cuidado. Diferentemente de lavouras, quando um minério acaba, não é possível produzi-lo novamente, portanto a extração tem que ser feita de forma estratégica e o valor negociado deve ser compensatório. Isso é o contrário do que acontece no Brasil! As mineradoras retiram o máximo que podem e vendem pelo preço que é possível, não pelo desejável. As compensações para os municípios aonde se localizam as jazidas são muito propagandeadas, mas estão muito abaixo do que poderiam e deveriam ser. As empresas alegam que geram empregos, impostos e commodities*, mas a proporção do que oferecem é muito pequena em comparação ao que ganham. Após o esgotamento de uma jazida, deixam na região barragens sem manutenção, terras com contaminação química, áreas desmatadas e enormes crateras que potencializam a erosão e contaminação de lençóis freáticos. A população local não recebe em troca indenizações financeiras e ações de longo prazo que gerem prosperidade. Políticos e funcionários públicos há muito trocam ganhos imediatistas por empobrecimento futuro das terras brasileiras. Assim como aconteceu com o ouro no período colonial, agora é o enriquecido minério de ferro (entre outros) retirado diariamente de Minas Gerais rumo aos portos do litoral para fazer a riqueza de estrangeiros. Aos brasileiros restará (novamente) apenas o trabalho realizado, os transtornos com o que sobrou e a certeza de terem sido idiotas?

* Commodities são produtos que funcionam como matéria-prima e que podem ser guardados sem perda de qualidade, como petróleo, suco de laranja congelado, café, soja, ouro e ferro. Commodity vem do inglês e originalmente tem significado de mercadoria, sendo atualmente utilizado para designar recursos minerais, vegetais ou agrícolas que influenciam o comportamento de determinados setores econômicos ou até da economia como um todo.

Torço para que as atuais medidas de maior rigor não sejam abrandadas com o apagar dos holofotes da imprensa, que as multas sejam pagas pela Vale (o que não aconteceu com a Samarco, que consegue sucessivos recursos judiciais para não arcar com gastos indenizatórios e obras de reparação). 
De concreto, no momento, apenas o trabalho cansativo e insalubre por parte dos bombeiros em busca das vítimas e um acordar por parte da população de que estes reservatórios são perigosos e não podem ser negligenciados ou abandonados, sob pena de causar destruição e morte. Fica a estarrecedora constatação de que muitas barragens espalhadas pelo Brasil (principalmente em Minas Gerais) colocavam e ainda colocam em risco a vida e o patrimônio de muitas pessoas que residem ou transitam pelo trajeto de resíduos de mineração, sem que tivéssemos consciência do perigo.

Vista aérea da lama em Brumadinho, seguindo o trajeto do Córrego do Feijão

Ponte ferroviária partida pela lama da barragem da Vale, em Brumadinho

Bombeiros e voluntários retiram pessoas da lama em Brumadinho

Socorristas tentam resgatar vaca atolada dois dias depois do rompimento da barragem em Brumadinho
Casa coberta pela lama em Brumadinho

Lama tampa ponte no Córrego do Feijão e obstrui estrada

Bancada da Lama

Segundo reportagem publicada pela Folha de São de Paulo, em 3 de fevereiro de 2019, treze deputados federais eleitos para a legislatura passada com doações de mineradoras foram muito atuantes nos assuntos do setor, propondo mudanças em textos que resultaram em retirada de fiscalização, ocupando cargos chave em comissões e influenciando pactuações na Câmara dos Deputados. O principal expoente da agora chamada Bancada da Lama – devido ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG)  Leonardo Quintão (MDB-MG) recebeu em 2014 R$ 2,1 milhões de mineradoras (42% do que arrecadou). 
Dos treze deputados ativos em temas de mineração, nove se reelegeram, como os mineiros Paulo Abi-Ackel e Domingos Sávio (ambos do PSDB), os paraenses José Priante (MDB) e Joaquim Passarinho (PSD), e os capixabas Evair Vieira de Melo (PP) e Sergio Vidigal (PDT).
Para identificar deputados ativos na bancada da mineração, a Folha considerou: 1) se ganharam doações de mineradoras em 2014; 2) se atuaram na tramitação de medidas provisórias em 2017, propondo emendas; 3) se integraram anteriormente a comissão que discutiu mudanças no Código de Mineração em 2014, ou a Comissão Permanente de Minas e Energia, por onde passam todos os projetos de interesse do setor na Câmara dos Deputados.

Veja reportagem e relação dos deputados da Bancada da Lama em:
          Folha de São Paulo
        Bancada da lama barra ações para melhorar segurança em barragens
          https://www1.folha.uol.com.br/bancada-da-lama-barra-acoes-para-melhorar-seguranca-em-barragens 
 
Minas Gerais na lama de mineradoras irresponsáveis e incompetentes


Brasil na lama da falta de princípios e atitudes construtivas para a nação

Vídeos:

Imagens de câmeras de segurança mostram diferentes ângulos do rompimento da barragem
( 5:05 )

O caminho da lama em Brumadinho e possibilidades de gerenciamento de recursos naturais
( 16:25 )

Como foi feita a barragem em Brumadinho
( 9:14 )

Fontes de referência:

Wikipédia
Rompimento de barragem em Brumadinho
https://pt.wikipedia.org/wiki/Rompimento_de_barragem_em_Brumadinho 

G1 MG
Tudo indica que barragem se rompeu por liquefação, diz autoridade de Minas Gerais
https://g1.globo.com/mg/tudo-indica-que-barragem-se-rompeu-por-liquefacao 

Estado de Minas
Tragédia em Brumadinho chega a 179 mortos
https://www.em.com.br/tragedia-de-brumadinho-chega-a-179-mortos 

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