Zé Bocó
Autora: Angela Xavier
Nos primeiros anos do século
XX, era comum ver em Ouro Preto um octogenário, com hábito da Ordem de São
Francisco de Paula, descalço, sair às sextas-feiras, a esmolar para o santo
pelas ruas e casas. Esse ancião tão devoto era conhecido como Zé Bocó.
Ele tinha uma venda no bairro
Antônio Dias, onde vendia bananas, amendoim, pé-de-moleque, vassouras do campo,
panelas de pedra e barro e aves. Vendia também biscoitos de polvilho,
conhecidos como biscoitos de goma, que a meninada gostava de comprar depois da
aula.
Como era analfabeto, como
muitos naqueles tempos, ele usava grãos de feijão e de milho para contar o
dinheiro das vendas e dos fiados, sendo vítima de muitos espertalhões. Ele
contava e recontava os grãos, colocando-os dentro de potes de barro. Perguntado
sobre o significado daquilo, tirando os grãos de um dos potes explicou:
– A sinhá Verônica comprou
aqui umas abóboras por meia pataca, umas bananas por dois cobres e uma cuia por
um vintém. Já me devia de outras compras. Como minha memória não está boa, nem
sei escrever, marco com milho e feijão o que os fregueses me devem. O milho é o
cobre e o feijão, o vintém. Quando ela vem me pagar, conto na sua vista o que
me deve. Assim faço com todos meus fregueses, tendo cada um o seu boião.
Sobre sua devoção a São
Francisco de Paula, ele contava que o santo o livrou da morte quando uma cobra
cascavel apareceu debaixo de sua cama.
Essa penitência, o Zé Bocó
cumpriu até os noventa anos. Estando doente e sendo solteiro, doou o que tinha
para a Santa Casa de Misericórdia, com a condição de ali morar até morrer. E
assim foi.
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Págs. 61 e 62.
Edição do Autor; Ouro Preto (MG); 2009 (2ª edição).
Obs.: Esta postagem foi realizada mediante prévia autorização da autora.
Para mais "causos" e contos de Angela Xavier, acesse o blog dela:
Compartilhando Histórias
http://www.angelaleitexavier.blogspot.com.br
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Livro : Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto
O livro reúne mais de 70 histórias, ambientadas do século XVIII até início do XX, coletadas junto a moradores ou em livros sobre a cidade. Olavo Romano, responsável pelo prefácio, afirma que "Ouro Preto era cheia de fantasmas, uma cidade mal iluminada, repleta de capelas e cemitérios, onde ninguém saia de casa depois das 21 horas. Trata-se de um livro que narra a História de Ouro Preto de uma forma agradável, à maneira dos contadores de histórias, e está entremeada de lendas e causos. Começa chamando a atenção do leitor para a necessidade de se preservar aquilo que faz parte da nossa memória e relata a descoberta do ouro, os conflitos que surgiram no início e as revoltas".
A ênfase do livro é dada às histórias dentro da História, nas curiosidades que os livros de História não relatam, na sociedade que se formou ao redor das minas de ouro com suas crenças, seus valores e sua religiosidade. Relatos de grandes festas, de muitos casos assombrados e tesouros escondidos. A ilustração, com desenhos em bico de pena, é do artista plástico ouro-pretano José Efigênio Pinto Coelho.
A ênfase do livro é dada às histórias dentro da História, nas curiosidades que os livros de História não relatam, na sociedade que se formou ao redor das minas de ouro com suas crenças, seus valores e sua religiosidade. Relatos de grandes festas, de muitos casos assombrados e tesouros escondidos. A ilustração, com desenhos em bico de pena, é do artista plástico ouro-pretano José Efigênio Pinto Coelho.
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