domingo, 5 de novembro de 2017

Dois anos depois

Atolados em descaso e burocracia

Sítio em Paracatu de Baixo (MG) - Antes de depois da lama

Hoje faz dois anos que aconteceu o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), no dia 5 de novembro de 2015. Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), foi o maior vazamento de rejeitos minerais do mundo, causando impactos ambientais sem precedentes, o que exige a criação de técnicas para situações até então inexistentes, bem como detalhados registros dos resultados para estudos que servirão de referência em futuras situações similares ao longo do mundo.
Minha intenção com esta publicação não é de dramatização ou criar polêmicas. Debates desnecessários ou infrutíferos nós já temos muitos atualmente no Brasil e a situação e seus desdobramentos já são dramáticos por si, não havendo necessidade de que eu apele para sentimentalismos vazios. Meu desejo é mostrar como é complicado, demorado e custoso reparar danos causados pela omissão e ganância, tendo os pobres que arcar com os prejuízos onde os ricos empresários arcam com os gastos e os funcionários públicos gastam apenas saliva depois de não realizar a tempo e contento suas responsabilidades.

Num primeiro olhar ao longo dos 667 Km afetados pela lama parece que os problemas foram superados, mas há toneladas de lama com resíduos químicos no fundo e margens dos rios Gualaxo do Norte e Doce, bem como no entroncamento de seus afluentes. Esta camada de lama, que em alguns pontos chega a 3 metros de espessura, continua perigosa, por ter consistência de areia movediça, podendo causar afogamento, e porque ainda hoje libera resíduos minerais e químicos ao ser revolvida por hélices, remos ou pela correnteza mais forte em períodos de chuva. Nas margens dos rios, a lama dificulta o surgimento de vegetação, o que aumenta a erosão e contribui para o assoreamento (tornar mais raso) o leito dos cursos d’água, dificultando ou impedindo a navegação e a pesca em alguns trechos. O assoreamento também acabou ou diminuiu a vazão de várias nascentes ao longo do percurso afetado, diminuindo o volume do rio Doce e alguns de seus afluentes.
A água potável ainda está reduzida em cidades e comunidades (urbanas e indígenas)  ao longo do trajeto afetado pela lama, mas a ajuda institucional da Samarco e filantrópica acabou ou reduziu, dependendo da localidade, criando dificuldades logísticas e financeiras para os moradores locais.
Os pescadores e pequenos empresários de Regência (ES) ainda estão impactados negativamente pela impossibilidade de realizar suas atividades, apesar de receberem ajuda financeira da Samarco. Pastos e áreas de agricultura continuam improdutivas porque a lama e seus efeitos não foram removidos. Tanques e lagos antes usados para criação de peixes continuam totalmente ou parcialmente preenchidos com lama, inviabilizando sua utilização. 

Os moradores das localidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo (pertencentes ao município de Mariana) e Gesteira (pertencente ao município de Barra Longa), todas em Minas Gerais, aguardam a reconstrução de seus núcleos urbanos em novos locais escolhidos pelos desabrigados em acordo com a Samarco, mas entraves por conta de licenças ambientais fazem com que a previsão de conclusão das novas moradias esteja prevista para março de 2019. Pode não parecer muito tempo, mas considerando que o acidente ocorreu em novembro de 2015, serão mais de três anos vivendo em ritmo de espera, podendo chegar a quatro anos ou mais, caso ocorram atrasos no prazo previsto. É muito tempo!

Atualmente, as famílias desalojadas pela lama vivem espalhadas em 303 imóveis em Mariana, alugados pela Fundação Renova, entidade criada em 30 de junho de 2016 pela Samarco e seus acionistas para criar, gerir e executar ações de reparação e compensação das áreas e comunidades atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão. A Samarco também alugou um imóvel (Casa dos Saberes) para servir como centro de convivência e atividades religiosas para os atingidos. As famílias cadastradas recebem da Samarco uma ajuda mensal de cerca de R$ 1.500. Também foram inaugurados posto de saúde e escola que atendem exclusivamente os moradores dos locais atingidos pela lama.
Cada família desalojada pela lama recebeu R$ 20 mil da Samarco, sendo metade desse valor descontado do pagamento total da indenização que está em negociação com cada família, dependendo da perda patrimonial. Até o momento, mais de R$ 100 mil foram pagos como adiantamento da indenização para cada uma das 19 famílias com vítimas fatais. Destas, 8  famílias aceitaram o valor proposto pela Samarco na indenização total, perfazendo R$ 6,7 milhões pagos pela empresa. As 11 famílias que ainda não receberam é devido à discordância entre o valor oferecido e o desejado. A Renova informa que 23 mil pessoas foram cadastradas e R$ 500 milhões pagos em auxílios emergenciais e indenizações.
 
Paracatu de Baixo em 2015
Foto: Alexandre Salem

“Pé de lama”

Se não estão desamparados, os desabrigados pela lama também não estão em situação tão confortável quanto parece. Eles foram apelidados pejorativamente como “pé de lama” por parte dos moradores de Mariana e estão sendo gradativamente afastados e ofendidos. Esta discriminação começou pelas crianças nativas, enciumadas pela atenção, e pela doação de brinquedos, roupas e atividades lúdicas que contemplavam unicamente ou prioritariamente as crianças desabrigadas. Com o passar do tempo e aumento das demissões pela paralisação das atividades da mineradora, os adultos começaram a tratar os desabrigados como “encostados” (pela mesma empresa que os havia demitido), que ganham dinheiro e benefícios sem trabalhar, enquanto cada vez mais famílias em Mariana sentiram os efeitos danosos do desemprego regional, somando-se a isso a crise financeira nacional. Parte da população local associa a demora na retomada das atividades da Samarco, e consequente aumento das vagas de trabalho, com a necessidade de indenizações.
Não são todas as crianças e adultos da área urbana que hostilizam os desabrigados, mas uma certa discriminação silenciosa tem se generalizado com o passar do tempo, conforme afirmam os profissionais da área da saúde encarregados de atender os beneficiados pela Samarco. Reflexos da fase difícil pela qual o Brasil passa, onde a solidariedade, soterrada pelas dificuldades, vai dando lugar ao individualismo.
Neste contexto de espera sem garantias e crescente isolamento, casos de uso de remédios estão aumentando entre os beneficiários, também de depressão, principalmente entre os idosos, mais afetados pela ausência das atividades físicas relativas à vida no campo, a não convivência com antigos vizinhos e sem os estímulos causados pelo trabalho ou estudo.

Bento Rodrigues em 2017 - 2 anos depois do rompimento da barragem

Estudos e testes para reverter o impacto ambiental

A Fundação Renova testa várias técnicas para recuperar as margens e o leito dos rios atingidos pela lama de rejeito da Barragem de Fundão. Uma área piloto foi criada num dos trechos mais afetados, no Rio Gualaxo do Norte, junto à totalmente destruída PCH-Bicas, em Camargos. Ali a camada de lama de rejeito chega a quase três metros de profundidade no leito do Rio. Estão sendo utilizadas:
- Biomanta composta por fibras naturais, cuja função é proteger contra a erosão e ajudar na reconstituição do solo;
- Renaturalização através da colocação de troncos no leito do rio para reter o rejeito;
- Recuperação das matas ciliares com o plantio de espécies pioneiras, de crescimento rápido e que ajudam a formar solo, para posterior plantio de espécies nativas;
- Contenção de lama e sedimentos através de rolos de palha e fibras naturais, dispostos como um cordão de isolamento nas margens para filtrar os sedimentos e impedir que cheguem à calha por ação das chuvas;
- Reconstrução dos contornos das margens dos cursos d’água para conter a erosão;
- Enrocamento através da proteção das margens com pedras, galhos e troncos de árvores que morreram com a onda de lama, usados para impedir que o rejeito das margens entre no rio;
- Remoção da lama apenas em alguns pontos críticos, onde é muito profunda e/ou forma "ilhas", pois a remoção libera mais lama na água, prejudicando sua qualidade;
- Tratamento da água com rejeito e devolvê-la limpa ao rio, em alguns casos.

Veja mais detalhes em:
Dois anos depois de tragédia, vítimas de Mariana aguardam indenizações

Ruínas em Bento Rodrigues (2017)
Foto: Ana Branco (Agência O Globo)

O Ministério Público Federal afirma que ainda falta muito para a Samarco arcar com os prejuízos causados pelo desastre ambiental, defendendo que o único programa que cumpriu o estipulado até o momento foi o de recuperação das estruturas remanescentes, estando abaixo do previsto a proteção social, a educação, a questão indígena, a recuperação das matas ciliares e das nascentes dos cursos d’água atingidos.
A Fundação Renova afirma que já gastou R$ 2,5 bilhões para ajuda aos atingidos e recuperação, e que as atividades continuarão a ser realizadas até o cumprimento do previsto no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta, assinado entre o Ministério Público Federal e a Samarco em 18 de janeiro de 2017, que prevê investimento de R$ 20 bilhões para o financiamento de programas de reparação socioambiental e socioeconômica decorrentes do rompimento da barragem.
Do que vi e li, me fica a impressão de que a empresa e seus acionistas não se omitiram e já investiram uma considerável soma de recursos, mas a extensão dos prejuízos causados foi tão grande que se tem a impressão de que muito pouco foi e está sendo feito. Assim como a maioria das empresas, para garantir a continuidade de sua existência, a Samarco não pode gastar mais do que arrecada, e para tanto procura cortar seus custos ao máximo, o que gera lentidão nas ações e indenizações desejadas.
Fato é que a lama provoca prejuízos econômicos e danos ambientais até hoje e que, numa situação lamentável, a maioria dos prejudicados continua atolada em descaso e burocracia, por parte da Samarco e do governo!

“Não justifica o assassino tomar posse da cena do crime!
É o que a empresa está tentando fazer de todo jeito, e a gente resistindo e não deixando.”
Mônica dos Santos (uma das moradoras de Bento Rodrigues)

Bento Rodrigues (2017) - Visitas do Grupo Loucos por Bento

Fiz uma publicação neste blog por ocasião do rompimento da barragem e outra um ano depois. Se desejar vê-las, acesse os links:

Lama e drama
O rompimento da Barragem de Fundão

Um ano depois
A difícil e lenta recuperação na lama da Samarco

Índios Krenak às margens do rio Doce
Foto: Nicoló Lanfranchi (Greenpeace)

Fontes de referência:

Folha de São Paulo
Medo e depressão marcam atingidos dois anos após tragédia em Mariana

Folha de São Paulo
Infográfico – Depois da lama

O Globo
Dois anos depois de tragédia, vítimas de Mariana aguardam indenizações

Estado de Minas
Rompimento da Barragem do Fundão segue gerando transtornos até o oceano

Wikipédia
Rompimento de barragem em Mariana

Samarco
Rompimento da barragem de Fundão

Ministério Público Federal
MPF firma acordo preliminar com Samarco, Vale e BHP Billiton no valor de R$ 2,2 bilhões

Fundação Renova
Mapa da Reparação

Placa em Regência mostra insatisfação da população com a Samarco
Foto: Bianca Pavan (Agência Leidtec)

Vídeos:

TV Folha
Medo e depressão marcam moradores de Mariana dois anos após tragédia
(08:59)

Globo Repórter
Caminho da Lama
(41:55)

Jornal da Globo
Rompimento da barragem da Samarco provoca graves prejuízos econômicos após desastre
(05:19)

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