Êta eguinha boa!
Tio Tonico chegou da Boa Vista, quatro léguas batidas. Dessareou a Princesa, jogou-lhe água no lombo, que ela sacudiu com prazer. Botou milho no cocho, passou a raspadeira e tirou o cabresto. Enquanto a égua se refestelava rolando no curral, colocou o enxergão pra secar, guardou o resto da arreata e foi caminhando em direção à porta da cozinha. Antes lavou as mãos, molhou o rosto e os braços na água fria da bica.
Tia Maria batia uma abobrinha, para afogar dali a pouco. Era de ver a esperteza dela, a faca indo e vindo na maior rapidez.
Ele foi entrando e cumprimentando, palavras poucas mas jeito amigo:
– Oi, Maria.
– Oi – respondeu ela, levantando as vistas sem parar com o serviço.
– Tudo bem por aqui?
– Tudo. E por lá?
– Sem novidade.
– Comadre tá boa?
– Mesma coisa. A erisipela, como sempre, coçando muito.
– E o compadre?
– Arrumou uma diversão: consertando porteira e trocando régua do curral. Diz-se que passa o dia entretido com isso. É até bom pra ele, não tem sofrimento de ficar quieto.
– Ou sair por aí andando à toa – disse ela, caçoando.
– Ô Maria. Bem que ocê podia esquentar uma água pra mim. Tou precisando de um bom banho, trocar essa roupa suada. Êta calor danado!
Ela deixou a cuia com a abobrinha e a faca em cima da mesa. Pôs o tacho d’água numa trempe vazia e atiçou o fogo.
Tio Tonico pegou uma canequinha esmaltada, encheu de café e foi bebendo devagar, um pé apoiado no rabo do fogão.
Outra vez picando abobrinha, ela perguntou:
– E a viagem? Alguma novidade?
– Correu bem. Novidade, teve uma. Quase vendi a Princesa.
– Não acredito! Só se fosse por muito dinheiro.
– Seis conto.
– Seis conto numa égua? Santo Deus! É dinheiro demais... Qual é o doido que te deu essa proposta?
– Vou te contar. Viagem grande, a gente sozinho. Olha uma criação, escuta o vento na folhagem, vê um passarinho voando, acompanha o movimento das nuvens. Quando é fé, o cristão já nem dá conta de nada. Vai sendo levado, anda um pedação sem ver. A Princesa só indo, boa de boca, aquela marcha macia, mansa de poder passar debaixo. Fora o porte, que é difícil de encontrar: cabeça em pé, orelha sempre levantada, tala do pescoço bem formada, aquele pelo liso, sedoso.
– E o negócio?
– Pois é. Sentindo tudo isso, eu pensei: se não tivesse a Princesa, se precisasse de um animal de sela de toda confiança e alguém aparecesse querendo vender a égua pra mim, eu era bem capaz de oferecer seis conto...
Tia Maria batia uma abobrinha, para afogar dali a pouco. Era de ver a esperteza dela, a faca indo e vindo na maior rapidez.
Ele foi entrando e cumprimentando, palavras poucas mas jeito amigo:
– Oi, Maria.
– Oi – respondeu ela, levantando as vistas sem parar com o serviço.
– Tudo bem por aqui?
– Tudo. E por lá?
– Sem novidade.
– Comadre tá boa?
– Mesma coisa. A erisipela, como sempre, coçando muito.
– E o compadre?
– Arrumou uma diversão: consertando porteira e trocando régua do curral. Diz-se que passa o dia entretido com isso. É até bom pra ele, não tem sofrimento de ficar quieto.
– Ou sair por aí andando à toa – disse ela, caçoando.
– Ô Maria. Bem que ocê podia esquentar uma água pra mim. Tou precisando de um bom banho, trocar essa roupa suada. Êta calor danado!
Ela deixou a cuia com a abobrinha e a faca em cima da mesa. Pôs o tacho d’água numa trempe vazia e atiçou o fogo.
Tio Tonico pegou uma canequinha esmaltada, encheu de café e foi bebendo devagar, um pé apoiado no rabo do fogão.
Outra vez picando abobrinha, ela perguntou:
– E a viagem? Alguma novidade?
– Correu bem. Novidade, teve uma. Quase vendi a Princesa.
– Não acredito! Só se fosse por muito dinheiro.
– Seis conto.
– Seis conto numa égua? Santo Deus! É dinheiro demais... Qual é o doido que te deu essa proposta?
– Vou te contar. Viagem grande, a gente sozinho. Olha uma criação, escuta o vento na folhagem, vê um passarinho voando, acompanha o movimento das nuvens. Quando é fé, o cristão já nem dá conta de nada. Vai sendo levado, anda um pedação sem ver. A Princesa só indo, boa de boca, aquela marcha macia, mansa de poder passar debaixo. Fora o porte, que é difícil de encontrar: cabeça em pé, orelha sempre levantada, tala do pescoço bem formada, aquele pelo liso, sedoso.
– E o negócio?
– Pois é. Sentindo tudo isso, eu pensei: se não tivesse a Princesa, se precisasse de um animal de sela de toda confiança e alguém aparecesse querendo vender a égua pra mim, eu era bem capaz de oferecer seis conto...
Texto do livro “Casos de Minas”, de Olavo Romano.
Págs. 13 a 15.
Edição: 1982
Livro - Casos de Minas
A memória de Minas Gerais recuperada em histórias e "causos" populares. Textos fluentes e com humor. O autor vai no fundo de sua memória e de lá resgata certas coisas que ele gostaria que não morressem: um som particular, um cheiro impregnado, bichos, gentes, situações. Ele não cai na arapuca das descrições, narra apenas. O estilo é limpo, sem maquiagem, e encaixa perfeitamente com as histórias. A sabedoria, a malandragem, a essência do homem de interior – está tudo aqui, inteiro e intacto. E sua linguagem é respeitada, sem deformações gráficas.
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