domingo, 21 de fevereiro de 2021

Calar

Quando eu era adolescente conheci o poema abaixo, sem saber que era um trecho de uma obra maior. 

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.

Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

O autor, Eduardo Alves da Costa, é um escritor e poeta brasileiro, nascido em Niterói (RJ) em 6 de março de 1936 e ainda vivo e produtivo. Em 1969, publicou o poema "No Caminho, com Maiakóvski" no livro "O Tocador de Atabaque", pela Editora Paulista. Erroneamente, a autoria do poema foi difundida como sendo do poeta e dramaturgo russo homenageado no título, Vladimir Vladimirovitch Maiakovski (1893 - 1930), também chamado de "O Poeta da Revolução". Outros, equivocados, atribuem a autoria do poema ao  pastor luterano alemão Martin Niemöller (1892 - 1984), conhecido por sua atuação contrária ao regime nazista.

Fontes:

Portal Raízes
No Caminho Com Maiakósvki – O poema amaldiçoado de Eduardo Alves da Costa
https://www.portalraizes.com/no-caminho-com-maiakosvki-do-poeta-eduardo-alves-da-costa 

Wikipédia
Eduardo Alves da Costa
https://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Alves_da_Costa 

Wikipédia
Vladimir Maiakovski
https://pt.wikipedia.org/wiki/Vladimir_Maiakovski 

Wikipédia
Martin Niemöller
https://pt.wikipedia.org/wiki/Martin_Niem%C3%B6ller 

RePressão

NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI 
Poema completo )

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!

Fonte:

Recanto das Letras
No Caminho Com Maiakóvski - Poema completo
https://www.recantodasletras.com.br/poesias/5655034 

2 comentários:

  1. Sylvio, que descoberta! Eu conhecia o poema e jurava que era do Maiakóvski. Vou repassar a amigos e amigas! Muito grato!

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