Autor: Antônio Parreiras (1923)
A rebelião de Vila Rica
(Conhecida como
Revolta de Filipe dos Santos)
Autora: Angela Xavier
Para ter maior controle sobre
as riquezas de Vila Rica, o governador resolveu mudar o centro da povoação da
Serra do Ouro Preto para o bairro do Pilar. Com isso pretendia tirar a força
dos chefes locais, que haviam se tornado muito poderosos após a Guerra dos
Emboabas.
Por ser toda furada por minas
com caminhos subterrâneos que só os moradores conheciam, a Serra do Ouro Preto
se tornou uma região de difícil controle pelas tropas portuguesas.
A arrecadação do quinto do
ouro sempre havia sido um problema. Havia o desvio feito através do contrabando
ou da corrupção. Os moradores costumavam esconder o ouro em pó ou pequenas
pepitas em variados locais. Emparedavam nas construções de pau-a-pique, debaixo
do assoalho, dentro de imagens sacras, enterravam e tudo o que mais se pudesse
imaginar. Além disso, mandavam fazer joias com o ouro descoberto e alegavam ser
antigos patrimônios de família, evitando assim o pagamento da quinta parte
devida à Coroa de Portugal. Difícil e desgastante controle, que afligia as
autoridades coloniais.
Os conflitos eram constantes
entre a população e as autoridades. A Coroa Portuguesa já havia tentado várias
formas de cobrança: o quinto – 20% do ouro extraído – ou por capitação, que era
uma taxa fixa cobrada por número de mineradores ou seus escravos. Tentou-se
ainda cobrar trinta arrobas de ouro como quantia pré-estabelecida a ser paga
anualmente pela capitania de Minas Gerais. O que faltasse seria cobrado em
forma de Derrama, confiscando o que tivesse valor de qualquer habitante da
capitania, começando pelos proprietários de lavras de mineração. Por mais que
os portugueses criassem e adaptassem formas de cobranças, ficava claro que
muito era sonegado e contrabandeado. Questão de difícil solução.
O excesso de rigor na
cobrança dos impostos incitava a revolta entre os mineradores. Até imagens
sacras particulares e de procissões eram usadas para esconder e transportar
ouro. A situação era tão grave que a Coroa resolveu banir frades das regiões
mineradoras e proibir a instalação de novas ordens religiosas. Posteriormente
expulsou também os ourives, proibindo nas Gerais a arte de moldar o ouro e as
joias. Estas medidas melhoraram o controle sobre a exploração dos metais
preciosos, mas ainda longe do ideal. Os comerciantes que traziam mercadorias
para os mineradores recebiam ouro em pó e pepitas como pagamento, portanto, sem
impostos.
Em 1719, uma Carta Régia
criou duas companhias de Dragões, com militares de cavalaria regidos por leis
portuguesas, que deveriam proteger o governador, manter a ordem nas mais ricas
regiões de mineração e escoltar os comboios do governo que levavam ouro e
diamantes para o Rio de Janeiro, para enriquecer a Coroa Portuguesa.
Esse fato afetou a ordem
social então estabelecida. Os poderosos da Serra de Ouro Preto tinham seus
ordenanças armados desde a Guerra dos Emboabas, mantendo pequenas milícias
particulares, além de muitos escravos a seu serviço, que serviam como força de
intimidação. Junto com a instituição dos Dragões, foi decretado o desarmamento
da população e a ilegalidade das milícias, abalando o poder dos chefes locais,
entre eles Paschoal da Silva Guimarães, grande figura local com papel de
destaque na Guerra dos Emboabas ao lado de Manuel Nunes Viana. Paschoal recebeu
a patente de mestre de campo durante este conflito. Quando os franceses
invadiram o Rio de Janeiro para criar a França Antartica, o governador Antônio
de Albuquerque saiu das Minas Gerais com expedição para ajudar na expulsão dos
invasores, deixando Paschoal em seu lugar para governar interinamente, que na
ocasião cedeu trinta de seus escravos, armados, para serem incorporados às
forças governamentais. Gente acostumada ao poder não abre mão dele facilmente,
e os ricos mineradores e comerciantes engoliram com rancor o aumento da
autoridade portuguesa, atentos a uma possibilidade de mudança.
♦
Apesar de melhorar o controle
da sociedade mineradora, faltava à Coroa um sistema eficiente para arrecadar as
riquezas extraídas das Minas Gerais. A solução planejada foi a criação de quatro
Casas de Fundição: em Vila Rica, Sabará, São João del Rei e Serro Frio.
As autoridades portuguesas
acreditavam que, vivendo os povos sossegados sob a estreita vigilância, a
mineração e os lucros da Coroa aumentariam. Nada era feito para a melhoria da vida
da grande massa de escravos, negros e índios livres, mestiços e brancos pobres
que aumentava continuamente, constituindo uma fonte de tensão e perigo.
O governador da então
capitania de São Paulo e Minas do Ouro, Conde de Assumar, que nutria grande animosidade
pelo povo das Minas, assim escreveu sobre eles:
“Os dias nunca amanhecem
serenos; o ar é um nublado perpétuo; tudo é frio menos o vício, que está
ardendo sempre [...] a terra parece que evapora tumultos; a água exala motins;
o ouro toca desaforos; desfilam liberdades os ares; vomitam insolências as
nuvens; influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço da
rebelião; a natureza anda inquieta consigo e, amotinada, lá dentro, é como no
inferno”.
A mestiçagem era considerada
a principal responsável pelos defeitos da população. Havia um grande desprezo
por tudo que vinha dos africanos e índios, considerados incapazes de serem
“civilizados” e de se tornarem cidadãos honrados.
A implantação das Casas de
Fundição parecia ser a solução ideal para trazer ordem às Gerais. A população
deveria levar a estes locais todo o ouro encontrado para, depois de tirada a
quinta parte devida ao rei, ser fundido em barras com o selo oficial da Coroa,
tornando-o legalizado para circular livremente. Ouro em pó e pepitas era
considerado contrabando, sujeitos à prisão e confisco do material.
Os mineradores alegavam que
parte do ouro era usurpado na pesagem da fundição e que era difícil e arriscado
caminhar as distâncias até as Casas de Fundição. Além disso, a administração do
Conde de Assumar era corrupta, permitindo explorações e abusos por parte dos
cobradores de impostos, num clima de subornos e injustiças.
Outro fator que agravava
ainda mais a situação era o aumento da importância dos paulistas após a Guerra
dos Emboabas. Como a capital da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro era em
São Paulo, os paulistas ganhavam os cargos mais altos da administração das
regiões mineradoras, que gerava progressiva hostilidade entre os mineradores e
os administradores. Os paulistas se tornaram os denunciantes dos
revolucionários armados. Havia muitos chefes locais com poder respaldado pelo
povo.
♦
Vinte cinco dias antes de
entrar em vigor a nova lei das Casas de Fundição, o povo de Vila Rica iniciou
uma revolta, liderado por Paschoal da Silva Guimarães, Felipe dos Santos e
outros. Já era noite quando uma multidão, armada e mascarada, desceu o Morro do
Ouro Podre disposta a tudo, trazendo tochas e gritando: – Viva o povo ou morra!
Chegando ao Morro de Santa
Quitéria, hoje Praça Tiradentes, os revoltosos se dirigiram para a casa do
ouvidor Martinho Vieira, odiado pelo povo. Foi uma estratégia para conseguir a
simpatia da população para o movimento. A ação foi bem organizada e contava com
a participação de pessoas de posses, frades, doutores e figuras de destaque
social em Vila Rica.
O ouvidor fugiu, deixando sua
esposa e casa à mercê dos revoltosos. A casa, eles depredaram. Com a mulher não
se sabe o que aconteceu. Depois deste ato, estabeleceram o comando
revolucionário no alto do Morro de Santa Quitéria, onde acenderam fogueiras e
elaboraram uma lista de reivindicações que levariam ao governador, em Mariana.
Prepararam a marcha até a vila vizinha, onde se hospedava o Conde de Assumar
quando estava nas Gerais.
A caminhada se fez à noite,
em número aproximado de duas mil pessoas, decididas a conseguir um acordo ou
morrer tentando. A guarda do governador, em Mariana, não foi suficiente para
conter os revoltosos e, após breve combate, bateu em retirada. Foi assustador
para o conde ver aquela multidão armada, com tochas e máscaras, cercando sua
casa. Uma comissão apresentou a ele a lista com as exigências.
O governador, pego de
surpresa, estava apavorado com a dimensão do movimento. Concordou com tudo para
ganhar tempo, já pensando em não cumprir suas promessas. Os revoltosos
acreditaram em sua palavra e retornaram para Vila Rica, dispersando-se em
seguida, sentindo-se satisfeitos por conseguirem o que desejavam. Podiam ter
aprisionado o conde e mandado-o para o Rio de Janeiro, elegendo um substituto
para seu lugar, como fizeram nas Guerra dos Emboabas. Mas agora não tinham um
líder com a experiência de Manuel Nunes Viana. Acreditaram no governador. Numa
guerra não se pode dar passo em falso e ser generoso com o adversário, pois o
preço a ser pago pode ser alto.
Foi o que aconteceu. O conde,
refeito do susto, reuniu suas tropas, reforçando-as com escravos e mamelucos
armados, e invadiu Vila Rica, rumando diretamente para as casas dos líderes da
rebelião e prendendo-os. Felipe dos Santos conseguiu fugir e foi para o povoado
de Cachoeira do Campo organizar uma reação popular, mas ali foi preso enquanto
falava ao povo. Levado à Vila Rica, foi sumariamente julgado e condenado.
Alguns dizem que sofreu a morte prevista aos altos traidores da Coroa Portuguesa:
enforcamento seguido de esquartejamento dos membros e cabeça para serem
espalhados pela povoação, para servir de exemplo aos que desafiavam a
autoridade portuguesa. Outros afirmam que, por ter sido Felipe dos Santos o
orador mais exaltado em Vila Rica, no início da revolta, e inflamado os ânimos
dos manifestantes em Mariana, foi alvo de morte mais dolorosa e cruel, seguindo
o modelo medieval: amarraram cada braço e perna a um cavalo diferente, num
total de quatro, e depois açoitaram os animais até que arrancassem os membros
do condenado, ainda vivo; depois amarraram noutro cavalo uma corda no pescoço e
arrastaram cabeça e o tronco pelas ruas de Vila Rica, com destaque no Morro do
Ouro Podre, local onde Felipe dos Santos vivia.
Presos os ricos e influentes
líderes revoltosos de Vila Rica, estes foram levados para a vila de Ribeirão do
Carmo – atual Mariana – onde a guarda do governador era mais numerosa. Boatos
surgiram de que mascarados e escravos armados pretendiam atacar Ribeirão do
Carmo para soltar os prisioneiros. O alferes Manuel de Barros foi encarregado
de acabar com o motim. Para minar o moral dos revoltosos de Vila Rica, o
governador ordenou atear fogo a todo o arraial do Ouro Podre, onde ficavam as
casas de Paschoal da Silva Guimarães, Felipe dos Santos e a maioria dos líderes
rebelados.
Em uma noite o fogo destruiu
o que levou vinte anos para ser construído. Toda a gente que ali morava viu
tudo virar cinzas e escombros. Foi um incêndio infernal! O alferes Manuel de
Barros, na pressa de espalhar o fogo, quase morreu sufocado pela fumaça no meio
do labirinto de chamas que ele e seus comandados criaram. Sobraram apenas as
pedras escurecidas pelo fogo e fumaça das construções mais imponentes. O antigo
e poderoso Arraial do Ouro Podre estava destruído. Foi abandonado, associado à
humilhação e tristeza, e até hoje assim continua, passando a ser chamado de
Morro da Queimada.
O governador mudou-se para
Vila Rica, preocupado com a intensidade dos acontecimentos e a grave
possibilidade da perda de controle de uma região tão rica. O povo lhe era
hostil e, desejando ganhar simpatia, o governador resolveu perdoar os presos da
revolta de Vila Rica, com o respaldo do rei de Portugal. Para evitar novo
levante, baixou decreto permitindo que a população poderia atirar para matar em
qualquer mascarado que fosse encontrado no Morro do Paschoal ou em Vila Rica.
Nunca ninguém atirou num mascarado, numa demonstração de apoio dos revoltosos.
O Conde de Assumar, na
condição de governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, deveria se
limitar a cumprir as ordens vindas do rei de Portugal. Ele não tinha autoridade
para condenar ninguém à morte, com fez com Felipe dos Santos. O conde descreveu
a situação de forma exagerada, dando a Felipe dos Santos uma autoridade maior
do que ele tinha na verdade. Precisava se justificar perante o rei pelo que
havia feito. Dizia que as minas mais pareciam “cavernas de feras que domicílios
de homens”.
Mas, diante da gravidade dos
fatos e do repúdio popular, o conde foi afastado do cargo de governador. Para
se ter maior controle da situação nas ricas regiões de mineração, separou-se a
capitania de Minas da de São Paulo. Agora haveria um governador cuidando
somente dos mineiros, separando definitivamente os paulistas dos emboabas. O
primeiro governador da Capitania de Minas Gerais foi D. Lourenço de Almeida,
que tomou posse festiva em Ouro Preto, elevada a capital da nova capitania, em
1721, na matriz de Nossa Senhora do Pilar.
As Casas de Fundição só foram
implantadas cinco anos depois, quando os ânimos já haviam se acalmado, e se
anunciavam novos tempos de riqueza e esplendor.
O Morro do Paschoal é hoje o
Morro da Queimada, um conjunto de ruínas de pedras, resto do que foi o grande e
rico arraial do Paschoal. Sua casa, que era toda de pedra e ficava entre as
capelas de Santana e a de a de São João, foi reduzida a ruínas. Elas existiram
até mais ou menos 1940, quando foram arrasadas por pessoas ambiciosas à procura
de tesouros escondidos.
Fonte de referência:
Viagem pelas províncias do
Rio de Janeiro e Minas Gerais (Auguste de Saint-Hilaire)
◄ ♦ ►
Págs. 98 a 105.
Edição do Autor; Ouro Preto (MG); 2009 (2ª edição).
Obs.: Esta postagem foi realizada mediante prévia autorização da autora.
Para mais "causos" e contos de Angela Xavier, acesse o blog dela:
Compartilhando Histórias
http://www.angelaleitexavier.blogspot.com.br
http://www.angelaleitexavier.blogspot.com.br
Livro : Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto
O livro reúne mais de 70 histórias, ambientadas do século XVIII até início do XX, coletadas junto a moradores ou em livros sobre a cidade. Olavo Romano, responsável pelo prefácio, afirma que "Ouro Preto era cheia de fantasmas, uma cidade mal iluminada, repleta de capelas e cemitérios, onde ninguém saia de casa depois das 21 horas. Trata-se de um livro que narra a História de Ouro Preto de uma forma agradável, à maneira dos contadores de histórias, e está entremeada de lendas e causos. Começa chamando a atenção do leitor para a necessidade de se preservar aquilo que faz parte da nossa memória e relata a descoberta do ouro, os conflitos que surgiram no início e as revoltas".
A ênfase do livro é dada às histórias dentro da História, nas curiosidades que os livros de História não relatam, na sociedade que se formou ao redor das minas de ouro com suas crenças, seus valores e sua religiosidade. Relatos de grandes festas, de muitos casos assombrados e tesouros escondidos. A ilustração, com desenhos em bico de pena, é do artista plástico ouro-pretano José Efigênio Pinto Coelho.
A ênfase do livro é dada às histórias dentro da História, nas curiosidades que os livros de História não relatam, na sociedade que se formou ao redor das minas de ouro com suas crenças, seus valores e sua religiosidade. Relatos de grandes festas, de muitos casos assombrados e tesouros escondidos. A ilustração, com desenhos em bico de pena, é do artista plástico ouro-pretano José Efigênio Pinto Coelho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário