sábado, 24 de agosto de 2019

Povoamento de Minas Gerais


Pintura retratando a lavra do ouro em primeiro plano e Vila Rica ao fundo
( Rugendas, 1820 - 1825 )

O povoamento de Minas Gerais (no Brasil Colônia)
Autora: Angela Xavier

Com a descoberta do ouro e diamantes, se dirigiram às Minas pessoas de todas as raças e camadas sociais, de toda parte. Soldados abandonavam os fortes no litoral, padres vinham em busca de riqueza. Escravos fugitivos das plantações de cana no nordeste se dirigiam para as minas em busca de uma vida melhor. Em pouco tempo o Sertão dos Cataguases foi povoado por civilizados e passou a ser chamado de Minas do Ouro.
Nos locais onde estavam as jazidas mais ricas, formaram-se os primeiros arraiais. Grupos armados estavam em constante vigilância porque, além do perigo das feras, dos negros fugidos que andavam em bandos realizando assaltos nas estradas e acampamentos, havia também o perigo dos aventureiros que atacavam as lavras e se apossavam delas. O ouro enchia as bruacas e as pessoas não pensavam em morar naquele lugar depois de ricos. Nada se plantava, pois não compensava ocupar terras e braços de garimpo para plantações, uma vez que se podia ficar rico de um dia para o outro. Pensavam que, encontrando o ouro, tudo se comprava. Por isso os artigos de primeira necessidade custavam um preço altíssimo e eram pagos em ouro. Havia poucas mercadorias à venda e o comércio ainda não era regular. Não havia estradas, apenas estreitas trilhas por onde passavam cavalos e gente a pé.
Na Serra do Ouro Preto formaram-se os primeiros arraiais auríferos que, devido à intensa atividade mineradora, até hoje é toda perfurada por diversos túneis de minas. Ali se concentrava o grande filão do ouro pobre, assim chamado porque a terra desbarrancava fácil e, ao ser lavada, revelava um alto teor aurífero em forma de granitos com uma capa escura, semelhantes a grãos de café torrado, que tinham em seu interior ouro de fino quilate. É onde se encontram os primeiros núcleos de povoamento nesta região: Moro da Queimada, Morro de Santana, Morro de São Sebastião, Morro de São João, Morro da Piedade, Taquaral, Padre Faria, Bom Sucesso e Antônio Dias. A Serra do Ouro Preto enlouqueceu os homens!
Nos primeiros anos da exploração do ouro ninguém queria gastar tempo plantando, nem culturas mais fáceis como mandioca e milho. Depois de algum tempo, as barrigas estavam vazias e as minas cheias de ouro. Não havia comida e uma epidemia de bexiga* atacou os arraiais. Os animais de carga precisavam ser vigiados para não serem mortos e devorados pelos garimpeiros famintos. Um saco de comida era defendido a bala e faca. O ouro não podia comprar o que não existia.
Os mineradores, acompanhados de seus escravos, formavam um bando de famintos que começaram a abandonar o garimpo em direção a Ouro Branco e Itaverava. Muitos caíam pelo caminho por inanição ou eram assaltados sem reação, devido à fraqueza física. Ainda hoje existe nesta região um lugar chamado Campo das Caveiras, onde foram encontradas muitos ossos humanos atribuídos aos fugitivos da fome do início da mineração em Minas. Os que persistiram e sobreviveram em Ouro Preto eram abastecidos por mercadores vindos do Rio de Janeiro, com cargas de víveres vendidos a preços exorbitantes.
Aos poucos os moradores começaram a plantar os frutos da terra, de fácil colheita, como o inhame e a batata doce, além da mandioca e milho, criando também porcos e galinhas. Pelo caminho do norte começou a chegar o gado da Bahia através do rio São Francisco. Então as pessoas começaram a se fixar na terra. Os caminhos que ligavam os arraiais se tornaram ruas com belas casas, construídas com o conforto e luxo que o ouro encontrado permitia.
Hoje os primeiros núcleos de povoamento de Ouro Preto foram descaracterizados pelo crescimento desordenado e sem planejamento da cidade, mas mostram ainda os vestígios dos antigos arraiais nos muros de pedra canga, nas bases de algumas casas, nos restos de mundéus aqui e ali, nas muitas minas que surgem nos quintais das casas e seguem por caminhos tortuosos e desconhecidos, se estendendo subterraneamente por toda a Serra do Ouro Preto.

A Varíola major, popularmente conhecida como Bexiga, caracteriza-se por quadros clínicos mais graves e alto índice de mortalidade. A Varíola minor, ou Alastrim, é mais branda e mata menos de 1% dos atingidos. A varíola é uma doença aguda, causada por um vírus – o Poxvirus variolae. Ocorre sob duas formas, com comportamentos epidemiológicos distintos e manifestações clínicas semelhantes.
A transmissão da varíola se dá pelo contato com pessoas doentes ou objetos que entraram em contato com a saliva ou secreções destes indivíduos. Penetrando no corpo, o vírus se espalha pela corrente sanguínea e se instala, principalmente, na pele. O período de incubação dura de 10 a 14 dias. As primeiras manifestações da doença são mal estar, febre, problemas gástricos e dores de cabeça e nas costas. Dois a três dias depois, começam as erupções na pele. Pequenas brotoejas evoluem para pústulas (bolhas purulentas). Muitas vezes estas lesões formam carreiras de pústulas se unindo ao longo do corpo, formando o que popularmente se chamava de “bexiga de canudo”, que dificilmente cessam sem deixar cicatrizes, e causam coceira intensa e dor. Há risco de cegueira pelo comprometimento da córnea, e morte por pneumonia ou doenças oportunistas, já que há comprometimento do sistema imunológico.

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Texto adaptado do livro “Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto”, de Angela Leite Xavier.
Págs. 31 a 33.
Edição do Autor; Ouro Preto (MG); 2009 (2ª edição).

Obs.: Esta postagem foi realizada mediante prévia autorização da autora.

Para mais "causos" e contos de Angela Xavier, acesse o blog dela:
Compartilhando Histórias
http://www.angelaleitexavier.blogspot.com.br 

Livro : Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto

O livro reúne mais de 70 histórias, ambientadas do século XVIII até início do XX, coletadas junto a moradores ou em livros sobre a cidade. Olavo Romano, responsável pelo prefácio, afirma que "Ouro Preto era cheia de fantasmas, uma cidade mal iluminada, repleta de capelas e cemitérios, onde ninguém saia de casa depois das 21 horas. Trata-se de um livro que narra a História de Ouro Preto de uma forma agradável, à maneira dos contadores de histórias, e está entremeada de lendas e causos. Começa chamando a atenção do leitor para a necessidade de se preservar aquilo que faz parte da nossa memória e relata a descoberta do ouro, os conflitos que surgiram no início e as revoltas". 
A ênfase do livro é dada às histórias dentro da História, nas curiosidades que os livros de História não relatam, na sociedade que se formou ao redor das minas de ouro com suas crenças, seus valores e sua religiosidade. Relatos de grandes festas, de muitos casos assombrados e tesouros escondidos. A ilustração, com desenhos em bico de pena, é do artista plástico ouro-pretano José Efigênio Pinto Coelho.

sábado, 10 de agosto de 2019

Sucateamento ferroviário


Pátio ferroviário com carros abandonados e depenados
Linhas ferroviárias que poderiam estar em uso estão servindo como estacionamento.

Depois de cinco décadas de abandono nas ferrovias brasileiras, as viagens de trem no país praticamente acabaram. O que era um projeto de integração nacional através das ferrovias virou sucata. Na década de 1960, eram mais de 37 mil quilômetros de ferrovias – principalmente no Sudeste e no Nordeste – fazendo pelo menos uma parte do que hoje se faz de carro, ônibus ou avião.
Depois de 16 anos estudando a história dos trens no Brasil, Ralph Guisbrert concluiu que o maior problema foi o sucateamento da linha férrea durante a Segunda Guerra Mundial: "As pessoas mais ricas, que eram quem sustentava os trens de passageiros, rapidamente largaram os trens de passageiro e começaram a andar de carros, que já chegavam cada vez mais baratos. Então começou a cair  a manutenção dos trens, das vias férreas, das estações ferroviárias".

O atual abandono do sistema ferroviário brasileiro não é somente falta de inteligência e desperdício de recursos, é uma traição e desrespeito à dedicação, energia e tempo dos ferroviários que implantaram e mantiveram uma estrutura eficiente enquanto lhes foi possível. 
Com o crescimento da população, cresce também a dificuldade e necessidade de um sistema de transporte público diversificado, eficiente e com preços acessíveis. O modelo rodoviário está saturado enquanto o sistema ferroviário está em desuso quase por completo na viagens intermunicipais e interestaduais.

Galpão ferroviário abandonado
Tornos e ferramental perdidos por desuso ou furto. Local de proliferação de doenças e crimes.

Carro de passageiros depredado - Sete Lagoas (MG)
Veículos funcionais foram vandalizados e furtados ao longo de anos de abandono.

Ruínas da estação ferroviária Elihu-Root - Araras (SP)
Trilhos, dormentes e brita foram roubados. Local de proliferação de doenças e crimes.

Ponte ferroviária abandonada em Rondinha - Paulo Frontin (PR)
Trilhos, dormentes e brita foram roubados. Aço e concreto de alta qualidade desperdiçados.

Túnel ferroviário abandonado em Gravatá (PE) - 2016
Local de proliferação de doenças e crimes, devido ao desuso.

Viaduto ferroviário abandonado em Gravatá (PE) - 2016
Toneladas de concreto e aço de alta qualidade sem uso.

Trilhos roubados em Campo Grande (MS) - 2017
Trilhos, dormentes e brita são furtados aos poucos para uso na construção civil ou venda.

Escolhi fotos que ilustram o estado de degradação por abandono e vandalização – somando-se a isso furtos – do patrimônio ferroviário nacional, construído com dinheiro público e que não está beneficiando a população, criando prejuízo financeiro e social.  
Quando digo patrimônio ferroviário, entenda que além das instalações das estações, dos trilhos, locomotivas, carros de passageiros e vagões de transporte de carga, há obras de engenharia (pontes, viadutos, túneis, obras de contenção de encostas), veículos sobre trilhos de manutenção, oficinas, vilas de funcionários, escolas, hospitais, instituições sociais (como bandas de música e times de futebol), veículos de apoio (como ambulâncias, caminhonetes, caminhões, etc.) ferramental das oficinas e material administrativo (mesas, cadeiras, fichários, etc.). Tudo isso deteriorando ou sendo roubado há anos  tornando-se local de refúgio de criminosos, drogados e animais transmissores de doenças – enquanto sucessivos políticos e funcionários públicos ignoram este visível absurdo. 
Dos 28 mil quilômetros de estradas de ferro entregues em 1999 pelo Estado à iniciativa privada, cerca de 16 mil quilômetros foram abandonados unilateralmente pelas concessionárias, em ofensa à legislação e aos contratos de concessão. O prejuízo ao Erário Público é estimado em mais de R$ 40 bilhões, e este valor aumenta a cada ano que passa.

Pátio de trens com sucata ferroviária em São Paulo
Falta de uso e canibalização estão diminuindo o patrimônio ferroviário brasileiro.

Rotunda abandonada em Campinas (SP) - 2010
Veículos usados como fonte para reposição de peças se tornam ferro-velho ocupando espaço.

Ruínas da estação ferroviária de Chiador (MG)
Edificações se deterioram ao ponto de ruir. Falta de gestão e procrastinação do poder público. 

Desestatização

A Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA) foi incluída no Plano Nacional de Desestatização em 1992 (Decreto nº 473/92). As 12 superintendências regionais da RFFSA foram divididas em seis malhas ferroviárias, a serem oferecidas à iniciativa privada por meio de licitação na modalidade leilão. A concessão do serviço público de transporte ferroviário de cargas ocorreria pelo prazo de 30 anos, com o arrendamento à concessionária dos ativos operacionais da RFFSA. À época, a situação das malhas a serem privatizadas era de precariedade financeira, quadro de pessoal superdimensionado e deterioração de seus operacionais. A RFFSA contratou financiamento do Banco Mundial para a implementação de recuperação da malha ferroviária a fim de viabilizar os leilões. As obrigações e metas estabelecidas pelo Governo às concessionárias eram aumentar o volume do transporte ferroviário e reduzir o número de acidentes. Não foram exigidos investimentos específicos. O Estado delegou à iniciativa privada decidir sobre como e em quais áreas deveria investir para prestar o serviço com qualidade e rentabilidade.

Fonte:
Molina
Sucateamento criminoso do que foi a malha ferroviária federal
http://molinacuritiba.blogspot.com/2011/06/sucateamento-criminoso-do-que-foi-malha.html 

Concessões das ferrovias brasileiras
Investimento no transporte de carga e abandono no transporte de passageiros.

Vídeo:



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Para mais considerações sobre as ferrovias brasileiras, acesse uma série de 3 publicações neste blog:
https://historiasylvio.blogspot.com/search/label/Ferrovias