A Trégua do Natal foi um armistício informal ocorrido entre
alemães e aliados (ingleses e irlandeses, bem como franceses em menor número)
ao longo da Frente Ocidental no Natal de 1914, durante a Primeira Guerra
Mundial.
Alemão e inglês durante a Trégua de Natal de 1914
Finalmente parou de chover. A
noite está clara, com céu limpo, estrelado, como os soldados não viam há muito
tempo. Ao contrário da chuva, porém, o frio segue sem dar trégua. Normal nesta
época do ano. O que não seria normal em outros anos é o fedor no ar. Cheiro de
morte, que invade as narinas e mexe com a cabeça dos vivos – alemães e
britânicos, inimigos separados em suas linhas de trincheiras por 80, 100 metros
no máximo. Entre eles está a “Terra de Ninguém”, assim chamada porque ninguém consegue
mantê-la sob seu controle ou sobreviver ali muito tempo. Cadáveres de
combatentes de ambos os lados compõem a paisagem com cercas de arame farpado,
troncos de árvores queimadas e crateras abertas pelas explosões da artilharia.
O barulho das granadas é ensurdecedor, mas no momento não se ouve nada. Nenhuma
explosão, nenhum tiro. Nenhum recruta agonizante gritando por socorro. Nada.
E de repente o silêncio é
quebrado. Das trincheiras alemãs, ouve-se alguém cantando. Os companheiros
fazem coro e logo há dezenas, talvez centenas de vozes no escuro. Cantam
"Stille Nacht, Heilige Nacht". Atônitos, os britânicos escutam a melodia sem
compreender o que diz a letra. Mas nem precisam: mesmo quem jamais a tivesse
escutado descobriria que a música fala de paz. Em inglês, ela é conhecida como
"Silent Night"; em português, foi batizada de "Noite Feliz". Quando a música
acaba o silêncio retorna, mas por pouco tempo.
"Bom, velho Fritz!", grita um britânico. Um alemão
responde com "Feliz Natal, ingleses!", seguido de palavras num inglês
arrastado: "Nós não atiramos, vocês não atiram".
Isto aconteceu em algum lugar de
Flandres, na Bélgica, em 24 de dezembro de 1914. A paz não havia sido acertada
nos gabinetes dos políticos ou generais; ela surgiu nas trincheiras, de forma
espontânea. É o que diz o jornalista alemão Michael Jürgs em seu livro Der
kleine frieden im Grossen Krieg – Westfront 1914: Als deutsche, franzosen und
briten gemeinsam weihnachten Feierten (“A pequena paz na Grande Guerra – Frente
Ocidental 1914: Quando alemães, franceses e britânicos celebraram juntos o
Natal”).
Alemães e aliados juntos durante a Trégua do Natal de 1914
( 1ª Guerra Mundial )
O primeiro natal da Primeira Guerra Mundial
Nos primeiros meses do conflito
então conhecido como Grande Guerra (não se imaginava que uma segunda como
aquela seria possível), a propaganda militar conseguiu inflar o orgulho dos
soldados de ambos os lados. O fervor patriótico crescia juntamente com o ódio
pelos inimigos. Entretanto, em dezembro de 1914, já se percebia que a guerra seria mais destruidora e longa do que se imaginava inicialmente. Na Frente Ocidental, os
britânicos haviam perdido 160 mil homens até então; Alemanha e França, 300 mil
cada.
Eram péssimas as condições nas
trincheiras, onde o odor beirava o insuportável, devido às latrinas descobertas
e aos corpos em decomposição espalhados pela Terra de Ninguém (espaço entre as
trincheiras adversárias). Os cadáveres atraíam ratazanas aos milhares e, com a
fartura de carne, algumas engordavam tanto ao ponto de serem confundidas com
gatos. Dormia-se em buracos escavados na parede e era comum acordar assustado
no meio da noite, por causa das explosões ou de uma ratazana mordendo sua mão
ou rosto. Pior que as ratazanas eram os piolhos. Milhões deles, nos cabelos,
barbas e uniformes.
Quando chovia forte, a água subia
na altura dos joelhos, causando doenças respiratórias nos invernos gelados, que
chegavam a temperaturas abaixo de zero. Os franco-atiradores e seus fuzis com
lunetas estavam sempre à espreita, tornando arriscado levantar a cabeça acima
do parapeito das trincheiras. O soldado entrincheirado passava longos períodos
sem ter o que fazer. Dias de tédio sentado no inferno.
O cotidiano de horrores foi
minando a vontade de lutar e valorizando as pequenas gentilezas e confortos!
Uma semana antes do Natal já havia sinais disso. Foi assim em Armentières, na
França, perto da fronteira com a Bélgica. Soldados alemães arremessaram um
pacote para a trincheira britânica. Cuidadosamente embalado, trazia um bolo de
chocolate e dentro, escondido, um bilhete. Os alemães pediam um cessar-fogo
naquela noite, entre 19h30 e 20h30. Era aniversário do capitão deles e queriam
surpreendê-lo com uma serenata. Os britânicos concordaram e, na hora da festa
inimiga, sentaram no parapeito para apreciar a música. Aplaudidos pelos rivais,
os alemães anunciaram o encerramento da serenata – e da trégua – com tiros para
cima. Em meio à barbárie, esses pequenos gestos de cordialidade significavam
muito.
Ainda assim, era difícil imaginar
o que estava por vir. Na noite de 24 de dezembro de 1914, em Fleurbaix, na
França, uma visão deixou os britânicos intrigados: iluminadas por velas,
pequenas árvores de Natal enfeitavam as trincheiras inimigas. A surpresa
aumentou quando um tenente alemão gritou em inglês: “Senhores, minha vida está em
suas mãos. Estou caminhando na direção de vocês. Algum oficial poderia me
encontrar no meio do caminho?” Silêncio. Seria uma armadilha? Ele prosseguiu:
“Estou sozinho e desarmado. Trinta de seus homens estão mortos perto das nossas
trincheiras. Gostaria de providenciar o enterro”. Dezenas de armas estavam
apontadas para ele. Mas, antes que disparassem, um sargento inglês,
contrariando ordens, foi ao seu encontro. Após minutos de conversa, combinaram
de se reunir no dia seguinte, às 9 horas da manhã.
No dia seguinte, 25 de dezembro,
soldados carregando apenas pás escalaram suas trincheiras e encontraram os
inimigos no meio da Terra de Ninguém. Era hora de enterrar os companheiros,
mostrar respeito por eles – ainda que a morte ali fosse um acontecimento banal.
O capelão escocês J. Esslemont Adams organizou um funeral coletivo para mais de
100 vítimas. Os corpos foram divididos por nacionalidade, mas a separação
acabou aí: na hora de cavar, todos se ajudaram. O capelão abriu a cerimônia
recitando o salmo 23. “O senhor é meu pastor, nada me faltará”, disse. Depois,
um soldado alemão, ex-seminarista, repetiu tudo em seu idioma. No fim,
acompanhado pelos soldados dos dois países, Adams rezou o Pai-Nosso. Outros
enterros semelhantes foram realizados naquele dia, mas o de Fleurbaix foi o
maior de todos.
Aquela situação por si só já era
inusitada: alemães e britânicos cavando e rezando juntos. Mas o que se viu
depois foi uma sequência de confraternizações entre tropas inimigas numa escala
sem precedentes numa guerra. Em Neuve Chapelle, na França, os soldados
indicavam discretamente para seus inimigos a localização das minas
subterrâneas. Em Pervize, na Bélgica, homens que na véspera trocavam tiros, agora
trocavam presentes: tabaco, vinho, carne enlatada e sabonete. Uns disputavam
corridas de bicicleta, outros caçavam coelhos. Uma luta de boxe entre um
escocês e um alemão foi esquentando ao ponto de ser interrompida antes que os
dois se matassem.
Nos dias 25 e 26 foram organizadas
animadas partidas de futebol. A “bola” em muitos casos foi apenas um monte de
palha amarrado com arame, ou uma lata de conserva vazia. Capacetes, tocos de
madeira ou o que estivesse à mão fizeram a função das traves. Foi assim em
Wulvergem, na Bélgica, onde o jogo foi só pelo prazer da brincadeira e ninguém
prestou atenção no resultado. Mas houve também partidas “sérias”, com direito a
juiz e a troca de campo depois do intervalo. Numa delas, que se tornou
lendária, os alemães derrotaram os britânicos por 3 a 2. A vitória foi
polêmica: o terceiro gol alemão teria sido marcado em posição irregular (o
atacante estava impedido) e a partida, encerrada depois que a bola – esta de
verdade, feita de couro – furou ao cair no arame farpado.
A trégua, apesar de generalizada
ao longo dos 760 quilômetros da Frente Ocidental (do Mar do Norte aos Alpes da
fronteira suíça), concentrou a maioria das confraternizações nos 50 quilômetros
entre Diksmuide (Bélgica) e Neuve Chapelle (França). Os soldados britânicos e
alemães descobriam ter em comum o medo da morte e a saudade de casa. Já
franceses e belgas eram menos afeitos a tomar parte no clima festivo, pois seus
países haviam sido invadidos e para eles era mais difícil apertar a mão do
inimigo.
Em alguns lugares a luta continuou
durante todo o dia de Natal, enquanto em outros foi feito apenas o trabalho de
recolher os corpos dos mortos, não havendo ataques nem confraternizações.
Em Wijtschate, na Bélgica, o jovem
cabo austríaco Adolf Hitler, lutando ao lado dos alemães na 16ª Reserva Bávara
de Infantaria, queixava-se do fato de seus companheiros cantarem com os
britânicos, em vez de atirarem neles. Hitler não era o único militar
insatisfeito com aquela situação! Dos quartéis-generais, os comandantes
mandaram ordens contra qualquer tipo de confraternização. Quem desrespeitasse
se arriscava a ir à corte marcial, podendo ser fuzilado por traição ou
covardia. A ameaça fez os soldados voltarem para as trincheiras. Durante os
dias seguintes, muitos ainda se recusavam a matar os adversários. Para manter
as aparências, continuavam atirando, mas sempre longe do alvo.
A trégua velada resistiu ainda por
um tempo. Até março de 1915, alemães e britânicos entrincheirados em Festubert,
na França, faziam de conta que a guerra não existia – ficava cada um na sua.
Mas a lembrança das confraternizações foi aos poucos cedendo espaço para a luta
pela sobrevivência e para as pressões dos altos escalões militares. No Natal de
1915 aconteceram novas tréguas na Frente Ocidental, mas numa proporção muito
menor, em pontos isolados, sem divulgação e que mal duraram no dia 25, em
poucos casos também o dia 26, reiniciando depois a rotina de tensão e
carnificina da guerra.
Alemães preparando decoração de natal em uma trincheira na França
( Natal de 1914 )
Alemães cantando em volta de uma árvore de natal
( Dezembro de 1914 )
A paz na guerra durante a 1ª Guerra Mundial
Nos primeiros meses da imóvel guerra de trincheiras – após a
nítida impossibilidade de conquistar e manter trincheiras inimigas – as tréguas se tornaram frequentes, não acontecendo apenas no período de Natal, e refletiam um
clima crescente da atitude do "viva e deixe viver", onde unidades
inimigas evitavam um comportamento abertamente agressivo e, muitas vezes,
realizavam pequenas confraternizações, promovendo conversas ou troca de
cigarros. Em alguns setores havia cessar-fogos ocasionais e negociados
localmente, para que os soldados pudessem resgatar os companheiros feridos ou
mortos, enquanto em outros vigorava um acordo informal para não atirar enquanto
os homens descansavam no período noturno. A trégua de Natal de 1914 foi
particularmente notável devido ao grande número de homens envolvido – cerca de
100 mil militares – ocorrendo de diferentes formas e períodos ao longo de diversos
lugares na Frente Ocidental.
Esta trégua é explicada, em grande parte, pelo pouco tempo de combates. Aproximadamente cinco meses separavam o início da guerra em julho do natal em dezembro. A mentalidade dos militares de baixa patente, voluntários e convocados, ainda não estava muito entorpecida e embrutecida pela rotina de matanças, onde a luta pela sobrevivência passaria a tomar quase todo o tempo e energia disponíveis. O clima de gentileza natalina, típico dos tempos de paz, ainda encontraria em 1914 espaço em meio à guerra nos espíritos de muitos combatentes, baseado no ainda recente convívio com as famílias e amenidades da vida civil.
Futebol no dia de natal entre alemães e aliados
( 1915 )
Iniciativas de paz foram encorajadas dias antes do primeiro
Natal da Primeira Guerra Mundial!
O Papa Bento XV, em 7 de dezembro de 1914, emitiu carta
incentivando uma trégua oficial entre os governos em guerra, pedindo "que
as armas possam cair em silêncio, ao menos na noite em que os anjos
cantam". O apelo foi recusado pelas autoridades, mas cumprido
informalmente pelos militares de baixa patente.
Um grupo de 101 mulheres britânicas divulgou a “Carta Aberta
de Natal” com uma mensagem pública de paz dirigida “às mulheres da Alemanha e
da Áustria” incentivando que estas pressionassem seus governos por uma trégua
durante o Natal de 1914.
A paz não aconteceu por conta de governos, mas sim por uma soma de desejos e ações individuais. Ao anoitecer de 24 de dezembro de 1914 na região de Ypres, na Bélgica, os tiros trocados começam a rarear e os britânicos
perceberam que os alemães estavam cantando músicas
natalinas. Além disso, decoraram suas trincheiras com árvores de natal e velas
acesas, denunciando assim suas posições. Os britânicos responderam cantando suas
próprias canções.
Os aliados viram então alemães desarmados saírem de suas
trincheiras, tirarem seus capacetes e pedirem uma trégua. Surpresos, os aliados
aceitaram a oferta, também saíram de suas trincheiras e os adversários se
encontraram na Terra de Ninguém, onde trocaram alguns presentes, como tabaco,
alimentos, bebidas alcoólicas, ou recordações como botões e chapéus das fardas.
No dia 25 de dezembro de 1914, as confraternizações
continuaram na Terra de Ninguém com músicas, troca de presentes e jogos de
futebol. A trégua foi aproveitada também para reabastecer tropas e enterrar
os mortos.
O capitão inglês Bruce Bairnsfather, que servia em Wez
Macquart (França) durante o natal de 1914, escreveu:
"Eu não perderia aquele único e estranho dia de Natal por
nada deste mundo... encontrei um oficial alemão, um tenente penso eu, e sendo eu
um colecionador, disse a ele que havia gostado de alguns de seus botões. Eu
trouxe meu cortador de arame, retirei um par de botões e coloquei-os no bolso.
Então eu lhe dei dois dos meus em troca... depois reparei num dos meus
artilheiros, que era barbeiro amador na vida civil, cortando em troca de alguns
cigarros o cabelo bastante longo de um alemão, que estava pacientemente
ajoelhado no chão, enquanto a navalha de corte deslizava em volta de seu
pescoço."
A confraternização teve alguns riscos: alguns soldados foram
mortos pelas forças da oposição em algumas regiões, até que as mesmas
percebessem não se tratar de um ataque e cessarem o fogo. Na maioria dos
setores da Frente Ocidental as batalhas reiniciaram no dia seguinte ao natal.
Em um destes setores, assim foi
descrito o reinício dos combates:
"O oficial inglês deu três tiros para cima e os ingleses
ergueram uma bandeira escrito “Feliz Natal”. Os alemães ergueram um lençol com
os dizeres “Obrigado”. Um oficial alemão levantou-se na sua trincheira, fez uma
saudação solene, e deu dois tiros para cima. A guerra estava ativa novamente."
Em alguns lugares a trégua de 1914 prosseguiu até o Ano Novo.
Aliados e alemães juntos durante a Trégua de Natal em 1914
( Primeira Guerra Mundial )
Notícias sobre a Trégua de Natal de 1914
Os acontecimentos da trégua só
foram relatados depois de uma semana, devido à censura não oficial da imprensa
em vigor. O silêncio foi quebrado pelo jornal estadunidense New York Times, em
31 de dezembro de 1914, e imediatamente seguido pelos jornais britânicos,
imprimindo inúmeros relatos em primeira mão de soldados em campo, obtidos a
partir de cartas para suas famílias, com editoriais sobre "uma das maiores
surpresas de uma guerra surpreendente". Em 8 de janeiro de 1915 foram
publicadas fotografias e os jornais britânicos The Daily Mirror e Daily Sketch
divulgaram na primeira página fotos de soldados britânicos e alemães juntos entre as linhas de combate. Os relatos foram favoráveis,
com o New York Times apoiando a "falta de agressividade" sentida por
ambos os lados e o The Daily Mirror lamentando que "o absurdo e a
tragédia" iria recomeçar.
A cobertura da imprensa na Alemanha foi mais
moderada, com alguns jornais criticando aqueles que tinham tomado
parte no acontecimento e não foram publicadas quaisquer imagens. Na França,
a censura mais controlada dos meios de comunicação assegurou que as notícias da trégua fossem difundidas apenas através das cartas dos soldados da frente a seus familiares e amigos, ou contadas por homens
feridos em hospitais. A imprensa francesa acabou por ser obrigada a responder
aos rumores crescentes, reimprimindo um aviso do governo de que a
confraternização constituía traição. No início de janeiro de 1915 foi publicada
uma mentirosa declaração oficial francesa sobre a trégua, alegando que havia
acontecido em setores restritos da frente britânica, sendo pouco mais foi do
que uma troca de canções que rapidamente degenerou em tiroteio.
Jornal inglês The Daily Mirror - Trégua no natal de 1914
( "Um grupo histórico: soldados britânicos e germânicos fotografados juntos" )
Os natais durante a Primeira Guerra Mundial
Nos meses seguintes à trégua do natal de 1914, houve algumas
tentativas esporádicas de tréguas: uma unidade alemã tentou sair de suas
trincheiras sob uma bandeira branca no domingo de Páscoa de 1915, mas
desistiram diante da recusa dos britânicos à sua frente; em novembro de 1915,
uma unidade alemã da Saxônia confraternizou brevemente com um batalhão inglês
de Liverpool.
No período de Natal de 1915 houve ordens explícitas por
parte dos altos comandos de ambos os lados para evitar qualquer repetição da
trégua e confraternizações como no Natal anterior, com ameaças de julgamento
por traição. Os comandantes aliados incentivaram suas unidades a atacar as
linhas inimigas com metralhadoras e artilharia, além de inibirem o contato com
o inimigo através de barragens de artilharia ao longo da Terra de Ninguém
durante todo o dia de Natal. No entanto, a proibição não foi completamente
eficaz, havendo ainda um pequeno número de tréguas breves.
No Natal de 1915, algumas unidades realizaram um novo
cessar-fogo na Frente Ocidental, mas a trégua ocorreu em pontos isolados e não foi tão ampla e divulgada
como em 1914.
Uma testemunha ocular de uma das tréguas, o capitão inglês
Llewelyn Wyn Griffith, fez notar que após uma noite de troca de canções, na
madrugada do dia de Natal de 1915, viu uma "corrida dos homens de ambos os
lados e uma troca apressada de presentes" antes de serem rapidamente
chamados de volta por seus oficiais. No breve contato foram feitas propostas
para manter o cessar-fogo durante aquele dia e jogar uma partida de futebol,
para a qual fizeram apressadamente uma improvisada bola. Griffith afirma que a
trégua “Não chegou a acontecer, uma vez que o comandante do batalhão [inglês]
foi ameaçado de insubordinação e recebeu ordens para retomar o combate na parte
da tarde”.
Em um setor britânico, uma trégua curta no natal de 1915
para enterrar os mortos entre as linhas de trincheiras levou o comandante da
companhia da Guarda Escocesa, Sir Iain Colquhoun, a uma corte marcial por
desafiar ordens de não haver tréguas. Embora tenha sido considerado culpado e
repreendido oficialmente, sua punição foi rapidamente anulada pelo general
Haig, e Colquhoun permaneceu em seu cargo.
Em 1916, após as sangrentas batalhas de Somme e Verdun, e
com o início do uso generalizado de gás venenoso, os soldados de ambos os lados
não sentiam mais clima para amenidades e a trégua de Natal não voltou a ser
realizada.
Nos períodos de natal em 1916 e 1917 as poucas iniciativas
alemãs para tréguas não tiveram resposta por parte dos aliados, que realizaram
bombardeios de artilharia para gerar tensão e impedir que houvesse pausas no
combate. Tropas ao longo de vários setores da Frente Ocidental foram trocadas
para impedir que se tornassem familiares ao inimigo. Apesar da pressão dos
escalões superiores, durante os períodos natalinos ocorreram iniciativas de
muitos militares de baixa patente, de ambos os lados, para o amortecimento das
hostilidades, cumprindo as ordens de ataque, mas usando a artilharia em pontos
que evitassem baixas inimigas.
Tropa alemã sob ataque de artilharia
( Primeira Guerra Mundial )
A partir de 1915 os comandantes aumentavam a ação da artilharia próximo ao Natal
para evitar as confraternizações.
Natal de 1914 : Um exemplo que não deve ser esquecido
Durante a Primeira Guerra Mundial, os vistosos e coloridos uniformes
dos combatentes foram definitivamente substituídos pelas discretas fardas dos
que rastejavam na lama, se escondendo da morte indefensável vinda das distantes
metralhadoras.
A trégua no natal de 1914 foi um demonstrativo do espírito
cavalheiresco nos campos de batalha que ainda resistia na mentalidade dos
europeus, como resquício dos séculos passados. Foi um último suspiro de uma
concepção que associava a guerra mais à coragem, astúcia e honra do que à
sobrevivência pela sorte, numa nova realidade que surgia da morte aos milhões e
de uma incansável indústria bélica que, com novidades mortais, determinava uma
velocidade e capacidade de destruição nunca vistas.
O Natal de 1914 se mostra um inspirador exemplo de que,
mesmo nas guerras, são possíveis atitudes de fraternidade e respeito entre as pessoas.
Para que não se apague a memória dessa possibilidade de
nobreza diante da brutalidade, em 11 de novembro de 2008 um Memorial para a
Trégua do Natal de 1914 foi inaugurado no parque público da vila francesa de
Frelinghien, na fronteira da França com a Bélgica. É o primeiro memorial oficial
para este evento notável.
O dia da inauguração começou com uma missa na igreja da vila.
Depois da missa – que incluiu a música “Stille Nacht” (a versão alemã de “Noite
Feliz”) – os moradores e participantes se dirigiram ao parque público na outra
extremidade da vila para a inauguração da placa do memorial. Após a
inauguração, houve um almoço no ginásio esportivo da vila, seguido por um jogo
de futebol entre representantes das tropas alemãs e aliadas.
Antes do jogo de futebol foi servido um barril de cerveja, relembrando
1914, quando os alemães – que ocupavam a região da cervejaria da aldeia – no
dia de natal rolaram um barril com cerveja para as forças aliadas, iniciando a
trégua local. No início da partida, os capitães dos times trocaram um aperto de
mão, charutos e pudim de natal (de ameixa e frutas secas), como os soldados fizeram
em 1914. Em 2008 os representantes alemães venceram o futebol por 2 a 1.
Observação: A trégua nesta aldeia em 1914 não incluiu um
jogo de futebol na ocasião. Isso aconteceu mais ao sul (embora ainda dentro dos
limites da comuna de Frelinghien), entre alemães e tropas aliadas compostas por
escoceses e ingleses.
Inauguração do Frelinghien Memorial celebrando a Trégua do Natal de 1914
( 11 de novembro de 2008 )
Os figurantes Peter Knight (inglês à esquerda) e Stefan
Langheinrich (alemão è direita), descendentes dos veteranos da 1ª Guerra
Mundial, apertam as mãos em 11 de novembro de 2008, na inauguração do Memorial
para a Trégua do Natal de 1914.
O Natal de 1914 foi uma ocasião notável na história das
guerras! É tão raro quanto louvável entre inimigos uma trégua espontânea e
ampla, iniciada pelos militares de baixa patente. Até então tal fato não voltou
a se repetir! O escritor britânico de ficção científica Herbert George Wells, autor do livro A Máquina do Tempo, escreveu
em agosto de 1914 um ensaio onde afirmava que a aquela seria "a guerra para
acabar com todas as guerras". Wells se enganou! Os momentos de fraternidade,
como os do Natal de 1914, seriam escassos na Europa, que em breve seria
dilacerada por outra guerra, ainda mais destruidora, a partir de 1939.
Vídeo
A trégua do natal de 1914 inspirou Paul McCartney a compor a
música “Pipes of Peace” ("Flautas da Paz" em português) e a realizar esse vídeo clip revivendo o episódio.
Esta canção é um apelo pela paz mostrando que,
independentemente da roupa que vestimos ou da língua que falamos, somos todos
membros da uma mesma grande nação: a raça humana.
Fontes de consulta:
Wikipédia
Trégua de Natal
Info Escola
Trégua de natal na Primeira Guerra
Guia do estudante
Noite feliz na Terra de Ninguém: Natal de 1914
Tok de História
O milagre do natal de 1914
Trégua do Natal de 1914
Frelinghien Memorial
(Em inglês – Usar tradutor)
Flickr
Fotos da inauguração do Frelinghien Memorial
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Para mais informações sobre a Primeira Guerra Mundial, acesse:
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