sexta-feira, 14 de abril de 2017

Folia das Almas

Foliões das almas na Semana Santa

Folia das Almas na Semana Santa

Não se sabe ao certo de onde surgiu o ritual de "Recomendação das Almas", como era chamado, mas se sabe que ele era praticado em Portugal desde a Idade Média. Isso porque o catolicismo medieval acreditava que o destino comum de todas as almas era o Purgatório, de onde partiriam depois para o Paraíso ou para o Inferno conforme suas ações e méritos. Daí a tradição de rezar e cantar às almas como forma de pedir a salvação de parentes e amigos falecidos, além de desconhecidos por caridade.
A Folia das Almas (também conhecida como Encomendação das Almas) é uma tradição popular portuguesa, trazida ao Brasil pelos jesuítas no século XVI, e encenada durante a Semana Santa. Os participantes desta crença rezam pelas almas penadas do purgatório durante os dias da Semana Santa, visitando capelas e casas com os cânticos da "Encomendação das Almas", encerrando a reza na Sexta-Feira da Paixão, pedindo a Deus que abençoe e libere almas do purgatório para subir aos céus.
Com o objetivo de evangelização, esse ritual era bastante comum em regiões do interior do Brasil. A partir da segunda metade do século XX, foi perdendo a força devido ao êxodo rural provocado pela industrialização e consequente poder de atração das cidades, e atualmente se mantém em poucos locais.

A tradição da Folia das Almas, no Vale da Gurita – região rural do município de Delfinópolis (MG) – é mantida há mais de 40 anos por um grupo folclórico local (*). O ritual é realizado pelos moradores das comunidades do Itajuí e Itaniope, situadas no vale. O grupo promove visitas às casas do entorno da Serra da Canastra para realizar a "Cantoria pras Almas", passando pelos vilarejos de São João Batista e Serrinha, ambos na área rural de São Roque de Minas. O evento tem o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra a unidade de conservação situada na Serra da Canastra.

Desde 2012, a Folia das Almas inclui em sua programação uma caminhada ecológica, de aproximadamente 3 Km, que leva ao Cemitério do Tatu. A ideia foi sugerida pela chefia do Parque Nacional da Serra da Canastra e incorporada pelos organizadores do evento. Para quem gosta de cultura popular e recreação em ambientes naturais, visitar o parque na semana santa se tornou um prazer em dose dupla.
Esta peregrinação é uma homenagem a um triste episódio da história do Vale da Gurita. Segundo a tradição, uma epidemia de gripe espanhola dizimou, no início do século XX, grande parte da população local. Sem ter onde enterrar tanta gente, os moradores improvisaram um cemitério no pé da serra. Ao longo dos anos, sempre à noite, tatus-canastras apareciam e desenterravam os cadáveres. Daí o nome do lugar.

O ponto alto da Folia das Almas é entre a Sexta-Feira Santa e o Sábado de Aleluia. Na manhã de sexta, o grupo sai de Delfinópolis até as margens do Rio Babilônia, no entorno do Parque Nacional da Serra da Canastra. Dali começam a caminhada (Caminhada Ecológica da Folia das Almas) até o Cemitério do Tatu, situado fora do parque.
Às 15 horas – horário em que Jesus faleceu – são realizadas orações e cantos junto ao Cruzeiro das Almas, no interior do cemitério, depositando no mesmo, água do Rio Babilônia e flores, representando o pedido do grupo à Nossa Senhora das Graças pela libertação das almas do purgatório (ou "almas penadas").
Após a visita ao cemitério, os devotos seguem para a Capela de Nossa Senhora das Graças, padroeira do Vale do Itajuí, onde, entre rezas e conversas, aguardam a noite para iniciar a peregrinação pelas casas da região, fazendo a Encomendação das Almas.
Chegando em cada casa, anunciados pelos sons de matraca, apito, chocalho, réu-réu, cigarra e berra-boi (**), os devotos realizam a Cantoria das Almas, convidando os moradores a rezarem. Quando o ritual começa, os donos das casas devem apagar as luzes e rezar. Após a reza, os moradores acendem as luzes e recebem os peregrinos com comidas e breves conversas, após as quais, o cortejo segue para outra residência, recomeçando o ritual.
A cantoria termina na residência de uma pessoa, eleita para ser o "festeiro" daquele ano. Esta casa é enfeitada com imagens de santos e para ela são convidados outros moradores da região. Nela é rezado o terço (Terço da Libertação das Almas) pouco antes da meia-noite da Sexta-Feira da Paixão, depois do qual, no início da madrugada do Sábado de Aleluia, é realizada a caça ao tesouro de Judas (***).
A "Caça ao tesouro de Judas Iscariotes" é realizada por crianças e adolescentes da comunidade, consistindo na procura de um boneco espantalho escondido, que traz consigo o "tesouro das almas". Ao encontrar o tesouro, os jovens (fantasiados e mascarados, representando as almas penadas) distribuem entre os convidados os presentes que estavam junto ao boneco e o conduzem até uma fogueira para ser queimado.
Ouve-se, então, uma gravação com a voz de Judas, em que ele compartilha seu sofrimento, demonstrando compaixão pelas almas e seu desapego às coisas terrenas. Assim, oferece seu sacrifício pela salvação das almas que foram perdoadas e agora seguem para o Céu.
Após a queima do Judas, o festeiro oferece um jantar aos peregrinos e moradores, encerrando a celebração da Folia das Almas naquele ano.

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(*) Para não deixar morrer a tradição

O grupo da comunidade do Itajuí realiza as cerimônias há mais de 40 anos sem interrupções. A tradição da Folia das Almas, porém, precisou se adaptar aos novos tempos para continuar a existir. Os cantos e rezas, que aconteciam em todas as sextas-feiras da Quaresma, hoje ocorrem somente na quarta, na quinta e na sexta da Semana Santa.
Com base no levantamento realizado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Delfinópolis, a Folia das Almas de Itajuí é uma manifestação folclórico-religiosa de grande importância, tanto para a história da Igreja Católica no Brasil quanto para o fortalecimento da identidade sócio-cultural das comunidades. Por isso, a entidade trabalha para preservar a celebração.
A prefeitura de Delfinópolis disponibiliza veículos do transporte escolar para que o grupo de foliões das almas possa fazer seus deslocamentos durante a Semana Santa, possibilitando mais segurança e conforto ao cortejo que antigamente era feito a cavalo.
Os foliões também trabalham para chamar mais gente para compor o cortejo durante o feriado santo. É comum a folia começar com 20 ou 30 pessoas na área urbana e que, no último dia, já atraia mais de 50. O grupo é aberto a todos que queiram participar e conta com pessoas de todas as idades.

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(**) Os instrumentos musicais da Folia das Almas

Os devotos realizam sua peregrinação levando consigo diversos instrumentos musicais. A matraca é a protagonista. Produz um som parecido ao canto de uma gralha – o barulhento pássaro parente dos corvos – cada vez que o ferro encosta a madeira. Ela é tocada repetidas vezes e anuncia a chegada do cortejo.
O apito é levado pelo capitão da folia. O chocalho também está presente e é para lembrar o barulho das pedras que eram jogadas nas casas das pessoas para avisar a chegada do cortejo. O réu-réu, feito de bambu, gera uma sequência rápida de batidas quando o tocador gira a roda dentada, que levanta e solta rapidamente uma lasca do instrumento. A cigarra imita o barulho desse inseto, tão comum no campo. O berra-boi, feito a partir de um cordão que se prende em uma tábua de um lado e por um cabo do outro, produz um som forte que imita o barulho de uma ventania.

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(***) O tesouro de Judas

Jesus foi traído e entregue aos romanos por Judas, recebendo este 30 moedas de prata. Arrependido de seu ato, posteriormente Judas entrega as moedas aos sacerdotes e depois se mata.
As crianças, fantasiadas e mascaradas, representam as almas penadas, e saem à procura do tesouro de Judas – recheado com balas, bombons, pequenos brinquedos e outras regalias – como forma de castigar Judas por sua ambição, furtando seus bens materiais antes de sua morte.

Foliões das Almas em cortejo para o Cemitério do Tatu
Serra da Canastra (MG)

Folia nas Almas na Capela de Nossa Senhora das Graças
Vale do Itajuí (MG)

"Cantoria pras Almas" 
Cortejo noturno da Folia das Almas

Vídeos:

Folia das Almas - Delfinópolis (MG)
https://www.youtube.com/watch?v=zBO-FZ8OwKI 
(12:12)
Reportagem mostra a dinâmica da devoção da Folia das Almas em Delfinópolis (MG): preparativos, motivações e depoimentos.

Folia das Almas tem canto e reza para os mortos na Serra da Canastra
(14:00)
O repórter Nélson Roberto Araújo apresenta uma bela matéria – em prosa e verso – exibida pelo Globo Rural, em 02 de novembro de 2014.
“O canto das almas é um canto de finados. (...) Nós brasileiros estamos perdendo muito este lado da cultura das peças e, sobretudo, das celebrações. Na cidade não se tem mais este fator de convivência que congrega. (...) O campo agrega!”
Antônio Grilo – Historiador

"Encomendação das Almas" 
Cemitério do Tatu

Foliões das Almas no Cemitério do Tatu
Serra da Canastra (MG)

Rezas e cânticos na Capela de Nossa Senhora das Graças
Itajuí (MG)

Fontes de referência:

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
Folia das Almas é atração no Parque da Canastra na Semana Santa
http://www.icmbio.gov.br/portal/ultimas-noticias/20-geral/3791-folia-das-almas-e-atracao-no-parque-da-canastra 

Sagarana
Preces para as almas
http://revistasagarana.com.br/religiosidade 

Mineiros . Com
Encomendação das almas
http://mineiros.com/encomendacao-das-almas 

"Encomendação das Almas"
Rito comum na Quaresma e em funerais

Assim era praticado o ritual da Recomendação das Almas 
(também chamado Encomendação das Almas, Cantoria pras Almas ou Folia das Almas), 
praticado com o objetivo e rogar preces em favor das almas dos mortos, 
visando seu progresso espiritual e alívio de penas.

Folia é um termo para designar festejos religiosos diversos, conhecidos também como "festança", caracterizados por brincadeiras e agitação ou qualquer aglomerado de pessoas que se juntam para algazarras celebrativas, principalmente quando esse evento tem um fundo religioso.
De origem popular, a folia é algo típico do catolicismo. A mais conhecida é a Folia de Reis, uma espécie de procissão masculina onde se canta em louvor ao Espírito Santo e pede a proteção contra doenças e pragas.

Fonte:
Livro: Encantamento da Sexta-Feira Santa: Manifestações do catolicismo no folclore brasileiro.
Autor: José Carlos Pereira
São Paulo: Editora Annablume, 2005 (p.155). 

3 comentários:

  1. Mais um excelente trabalho e pesquisa.
    Abraço do Universo

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    1. Grato pelo elogio, Universo.
      Nossas tradições religiosas e folclóricas têm uma fascinante diversidade!

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  2. Excelente a iniciativa de preservar as tradições locais.O Brasil em sua diversidade é um manancial valioso
    Principalmente por causa do êxodo rural,a preservação é de imenso valor para manter a identidade de origem dos que saíram mas que em geral retornam mesmo que seja em breves períodos de visita.As grandes cidades cujo cotidiano está repleto de violência e concorrências, campo privilegiado do narcotráfico, sequestraram a possibidade de relocalizaçáo cultural e identitátia do migrante.Promover sua volta às origens por meio de excursões, seria um excelente meio de resguardá-lo de cair na violência e nad drogas pela perda do pertencimento.

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