sábado, 30 de outubro de 2021

OrgulhosaMente



Orgulho de mãe

   Desde criança, Teodorico já trazia aquele ar espivetado. Se perguntavam a ele o que ia ser depois de grande, respondia: – Vou ser rico, uai!
E explica: – Quero ajudar o pai e a mãe. Pro pai, compro um caminhão novo, pra mãe, dou o que ela quiser.
Dona Domitila escutava aquilo, se torcia toda de achar bom. Tinha o maior xodó com o Dorico. Os outros irmãos, mais as meninas, volta e meia reclamavam. Ela desconversava:
– Bobagem, gente. Então não sabem que uma mãe é pra cem filhos, um filho não é pra uma só mãe?
O ciúme passava, os filhos esqueciam.
   Dorico metia os peitos em tudo quanto era serviço, qualquer coisa que desse dinheiro: foi capataz, ajudando a levar sal pro gado na invernada; outra, engraxava sapato na praça. Fez muita capina nos quintais dos vizinhos.
   Já mais taludo, achou que trabalhar pros outros não dava camisa a ninguém. Então aprendeu a cortar cabelo, treinou bem de navalha, fazia barba com bastante segurança. Mas a maioria do povo continuava a cortar cabelo e fazer barba em casa, aquilo não era profissão de futuro. Sem desistir da barbearia, virou também alfaiate. Uma coisa ajudava a outra, tocava as duas.
   Mas o sonho do Dorico, mesmo, era ficar rico. O jeito de conseguir mais depressa era o jogo, pensou. Foi quando apareceram com o bicho. Aí, vivia com a cabeça completamente no ar. Sua mãe brincava: – É bom amarrá uma pedra no pé, meu filho, senão ocê voa...
   Ele ria e continuava olhando as nuvens, vendo as figuras se formando, os bichos aparecendo e desaparecendo no galope delas pelo céu azul. Vinha aquela agonia danada: "Será que é carneiro ou cachorro?" Por via das dúvidas, jogava nos dois. Dava burro.
   Nunca chegou a ganhar coisa que prestasse. A mãe, sempre torcendo:
– Esse menino, nunca vi coisa assim. Um dia ainda há de ficar rico, seja pelo trabalho, seja por obra da sorte.
Teodorico não desanimava. Mas ficou achando que em lugar pequeno, como Santana dos Coqueiros, era difícil romper. Vivia falando que o progresso concentrava era mesmo na cidade grande. O interior pode ser muito gostoso, aquela vidinha pacata, não exigia muito, mas quase ninguém ia pra frente.
O povo achou que Dorico andava maniado. Não podia aparecer gente de fora – soldado de destacamento, viajante, representante comercial – ele dava um jeitinho, ia rabeando, fazia conhecimento, começava a especular. Tirava informação sobre tudo quanto era lugar, o meio de vida de lá, se corria muito dinheiro, o que rendia mais.
   Um dia ele vendeu a alfaiataria, alugou o salão de barbeiro; botou os cobres no bolso, pediu a benção dos pais, despediu dos parentes e campou pra capital. A mãe falou que ele ia explorar um negócio lá, tomara que desse certo, era o que ela mais queria.
Desceu na rodoviária, veio chegando um homem humilde, mal vestido, de cara triste, mas com jeito prestativo. Puxou conversa, especulou, convidou Teodorico pra beber café. Falou de quando resolveu sair de sua cidadezinha, tentar a vida fora. Até que ia indo, mas a mãe estava mal no interior, tinha de pegar o último ônibus que restava. Dependendo, talvez nem voltasse. Olhou o Dorico como se quisesse contar um segredo. Depois, ganhando coragem, disse:
– Ocê pode não acreditar, mas simpatizei com’ocê, questão de anjo da guarda combinar. Vou viajar agora pouco, tenho de resolver um negócio importante...
– Em que posso ser útil?
– Ganhei na loteria uma bolada, mas não vou ter tempo de receber. Esse negócio da mãe doente, sabe como é que é...
   Foram até um cambista, logo adiante, conferiram o bilhete: estava premiado com duzentos contos, era o terceiro prêmio daquele tempo.
Com um jeito afobado, o homem falou:
– Meu ônibus sai por agora. Reparto com’ocê o lucro. Quanto cê tem aí?
– Vinte e cinco conto.
– Vai lá. Não faço questão de muita coisa não. Como se diz, uma mão lava a outra. Quem sabe um dia cê ajuda alguém da minha família ou amigo meu?!
Teodorico recebeu o bilhete, entregou o dinheiro. O homem agradeceu e sumiu.
Tempo depois, quando o jornal do dia chega a Santana dos Coqueiros, leram para Dona Domitila o título da notícia com uma foto do Dorico: "Otário cai no conto do bilhete premiado". Ficaram esperando a reação dela. Ela pensou, calada, depois estufou o peito e falou com pompa:
– Vejam só que coisa, gente: meu filho sempre trabalhou feito um danado, nunca conseguiu nada aqui. Mal chegou lá fora, já tem foto publicada no jornal!

Autoria desconhecida

sábado, 16 de outubro de 2021

Tropeirismo



Num tempo em que não existiam ferrovias e rodovias, o tropeirismo é que fez circular alimentos, mercadorias e informações entre as diferentes regiões do Brasil. Seja individualmente, em pequenos grupos ou grandes comitivas, os tropeiros tiveram importante função para o desenvolvimento de muitas cidades. As regiões interioranas dependeram, nos séculos 18 e 19, desse meio de comércio baseado no transporte por mulas e burros. 
Inicialmente chamados de "homens do caminho", "tratantes" ou "viandantes", os tropeiros passaram a ser fundamentais no abastecimento do comércio de alimentos e utensílios, além de serem os mensageiros de notícias gerais e recados particulares, num tempo em que não havia serviço de correio que não fosse para as autoridades ou pessoas ricas, que custeavam mensageiros.

O tropeirismo no Brasil começou por volta de 1730, registrou até o seu ápice – em 1897 – quase 4 milhões de muares que foram da região sul até Sorocaba (SP), e dali distribuídos pela região sudeste. Ao longo dos caminhos das tropas, diversas fazendas (chamadas de "invernadas") eram alugadas para os animais se alimentarem e as tropas descansarem. Ao redor desses locais, muitas cidades foram surgindo. Estima-se que aproximadamente mil municípios foram formados devido à passagem dos tropeiros. Isso aconteceu porque as pessoas que iam para aquelas localidades, vender mercadorias ou prestar serviços às tropas, acabavam se fixando próximo a algumas das invernadas.
Ao longo das rotas pelas quais se deslocavam e pernoitavam, os tropeiros prosperaram várias das atuais cidades do Brasil. As cidades de Viamão e Cruz Alta (no Rio Grande do Sul), Castro (no Paraná), Sorocaba, Taubaté, Santana de Parnaíba e São Vicente (em São Paulo) são algumas das que se destacaram pela atividade de seus tropeiros.

Os muares – mulas e burros – são animais híbridos resultantes do cruzamento de um jumento com uma égua, ou de um cavalo com uma jumenta. A mula é o indivíduo fêmea resultante desse cruzamento. O macho resultante desse cruzamento é chamado burro.

Museu do Tropeiro - Ipoema (MG)

Origem do tropeirismo

O tropeirismo no Brasil teve no Ciclo do Ouro (1700 a 1760) o fator motivador para expansão de uma atividade que já existia desde o século 17, organizada pelo então Império Espanhol no território sob seu domínio! 
No início da colonização do território americano pela Espanha, já em 1545 foram encontradas grandes jazidas de prata no atual Peru. Esta produção era transportada por rios até os atuais Uruguai e Argentina e dali seguiam para a Espanha por via marítima. Também foram encontradas jazidas de prata nos atuais Paraguai e Argentina (então sob domínio espanhol). 
Para realizar o transporte do minério de prata das jazidas até os barcos, o Império Espanhol levou muares da Europa e norte da África para as colônias espanholas na América. Muitos animais morreram na travessia do oceano Atlântico – principalmente por doença e desidratação – e os que chegaram nas colônias espanholas foram, inicialmente, fortalecidos e adaptados, para depois de aumentar em número serem massivamente utilizados. 
Os resultados positivos na mineração pela Espanha incentivaram que, na colônia portuguesa do atual Brasil, os bandeirantes se aventurassem afastando-se do litoral em direção ao interior do continente em busca de riquezas minerais, até encontrarem a região das minas gerais. No início da atividade de mineração do Brasil – na década de 1690 – a região sul do país ainda pertencia à Espanha devido ao Tratado de Tordesilhas (firmado em 1494). Por isso as atividades econômicas dessa região, no então território espanhol chamado Vice-Reino do Prata (atuais Argentina, Paraguai e Uruguai) baseavam-se na criação de gado, mulas e burros para abastecer a crescente população mineradora .

No fim do século 16 e início do 17, o atual Rio Grande do Sul era "terra de ninguém", habitada principalmente por índios guaranis e por onde passavam eventualmente alguns bandeirantes em busca de índios para escravizar. Esse quadro foi modificado com a chegada de padres espanhóis jesuítas que fundaram as "missões" no início do século 17, na região formada pelos atuais estados do Rio Grande do Sul e Paraná, e pela Argentina e Paraguai. Nas missões se reuniam, em torno de pequenos grupos de religiosos, grandes levas de índios guaranis convertidos. O crescimento desses locais acabou por introduzir e fortalecer a atividade pecuarista, de forma extensiva, geralmente com o gado solto nas pradarias, com o objetivo de alimentar os nativos e os vindos da Europa. Partindo das missões, os rebanhos de gado eram conduzidos até as regiões de mineração, onde se concentrava os centros urbanos coloniais espanhóis. As pessoas que faziam a condução desses rebanhos originariam os "gaúchos", que posteriormente se tornariam os primeiros tropeiros!
 
Nos séculos 17 e 18, os tropeiros já eram uma função integrada na vida da zona rural e pequenas cidades no atual sul do Brasil, então propriedade da Espanha. Com a enorme demanda de alimentos em Minas Gerais, por conta da alimentação da crescente população ligada à mineração, os tropeiros gaúchos – com seus chapéus, ponchos, e botas – foram desbravando caminhos para aproveitar a oportunidade de lucro.
A necessidade de povoar a região, segundo interesses dos portugueses, fez com que a Coroa Portuguesa facilitasse a posse da terra e garantisse um elevado grau de liberdade e autonomia para a região.

"Gaúcho" é uma denominação de origem espanhola dada às pessoas ligadas à atividade pecuária em regiões do bioma denominado pampa, que ocorre no sul da América do Sul (Argentina, Uruguai, Paraguai e no estado brasileiro de Rio Grande do Sul). As peculiares características do modo de vida pastoril dos gaúchos criaram uma cultura própria, originada pelo então Império Espanhol na administração de seu território no continente americano, derivada da fusão da cultura nativa (principalmente os guaranis) com a cultura espanhola, adaptada ao trabalho executado nas propriedades rurais denominadas estâncias e nas missões dos jesuítas. 

Tropa de gado

Tropa de mula 
(denominação popular, que englobava o conjunto de mulas, burros ou cavalos)


A rotina do tropeirismo

O típico tropeiro de então iniciava-se na profissão por volta dos 10 anos, acompanhando o pai, que comprava e vendia os animais e conduzia a tropa. Usava chapelão de feltro cinza ou marrom, de abas viradas, camisa de pano grosso com cor similar ao chapéu, manta ou beata com uma abertura no centro, jogada sobre o ombro, botas de couro flexível que chegavam até o meio da coxa para proteger nos terrenos alagados e matas. O tropeiro montava um cavalo que possuía sacola para guardar a capa, a sela apetrechada, suspendia-se em pesados estribos e enfeitava a crina da montaria com fitas. Chamavam "madrinha" a mula ou égua já envelhecida e bastante conhecida dos outros animais, que era a cabeça da tropa e abria o percurso, com a fila de cargueiros à sua retaguarda; "malotagem" eram os apetrechos e arreios necessários de cada animal e acondicionamento da carga; e "broaca" os baús de couro que eram colocados sobre a cangalha e serviam para guardar a mercadoria.

Nos trajetos do sul do Brasil para Sorocaba, os tropeiros seguiam o curso dos rios e também os antigos caminhos indígenas nas áreas mais abertas (os então chamados "campos gerais") em trajetos que envolviam várias semanas. Ao final de cada dia era acesso o fogo, para depois construir uma tenda com os couros que serviam para cobrir a carga dos animais, reservando alguns para colocar no chão, onde os peões dormiam envoltos em seu manto. Chamava-se "encosto" o pouso em pasto aberto e "rancho" quando já havia um abrigo construído. Ao longo do tempo os principais pousos se transformaram em povoações e vilas. 

Em torno da atividade das tropas surgiram várias profissões e manufaturas, como a de "rancheiro", o proprietário do "rancho" ou alojamento em que pousavam as tropas. Outra figura desse fenômeno econômico-social foi o "ferrador", que confeccionava e pregava as ferraduras nos animais das tropas. A incumbência de domar os animais ainda chucros (sem treino para conduzir carga e andar em grupo) era também uma necessidade e chamavam-se "paulistas" os indivíduos que amansavam as bestas à maneira dos peões de São Paulo. "Peão" era todo amansador de equinos e muares à moda do sertão, e "amontador" era apenas o que montava animais bravios para efeito de gastar-lhes a energia da rebeldia. Depois é que vinha o "acertador", homem hábil e paciente, que ensinava as andaduras ao animal e educava-lhe a boca ao contato do freio. Esta última função era considerada a mais nobre e bem remunerada.

As "tropas" inicialmente eram grupos de muares, gado ou animais de criação (como porcos), conduzidos para abate ou trabalho de tração (puxando arados e carroças). 
Posteriormente também foram chamadas "tropas" os grupos de muares que transportavam mercadorias em seu lombo, abastecendo comerciantes locais em diferentes cidades e regiões do Brasil. Estes grupos podiam ser de dois a dezenas de muares carregados. Quanto maior o número de animais numa tropa e mais valioso o total de mercadorias transportadas, mais variados e especializados se tornaram os tropeiros em suas funções: condutor (responsável pelo caminho e ritmo a seguir, mantendo os muares de toda a comitiva próximos uns dos outros); arrieiro (ajuste e reparo dos arreios, celas e utensílios para firmar as pessoas e cargas sobre os muares); bruaqueiro (ajuste e reparo das bruacas, as estruturas de madeira e cestos de couro que sustentavam e distribuíam as mercadorias nos lombos dos animais); ferreiro (ajuste e reparo das ferraduras e demais ferramentas ou utensílios de metal; em alguns casos acumulando a função de cuidador); cuidador (alimentar e hidratar todos os animais durante a jornada e ao longo das paradas para pernoite – inclusive os cães de guarda que acompanhassem a comitiva – também responsável por levar, preparar e administrar unguentos medicamentosos para os animais feridos ou adoentados, com ervas e plantas que levava ou encontrava pelo caminho. Servia não só como "veterinário prático", mas comumente como "médico prático" para as pessoas da comitiva); mensageiro (uma ou duas pessoas, à frente da comitiva para verificar a segurança de trechos sensíveis à emboscadas para assaltos – como pontes e vales – além de adentrar antecipadamente nas regiões urbanas para saber quantos muares da comitiva precisariam ou poderiam ser deslocados pelas ruas, por onde iriam e onde ficariam, permanecendo o restante da tropa fora da área urbana, quando esta era de grande dimensão); cozinheiroescolta armada (quando necessário), entre outras funções que fossem úteis de acordo com as características do tamanho da tropa e do trajeto a ser realizado pelos comerciantes.

Na medida em que crescia o tamanho da comitiva comercial, os muares eram divididos em lotes, que poderiam chegar a sete animais amarrados entre si, cada um aos cuidados de um homem que os controlava através de gritos e assobios. Cada animal carregava cerca de 120 quilos e chegava a percorrer até 3.000 quilômetros numa viagem.

Obs:
Arreio é a designação de um conjunto de estruturas que se veste num equino para permitir a montaria de uma pessoa ou utilização para tração de carga ou produção agrícola.
O conjunto que forma o arreio é constituído da sela (assento em couro, amarrado sobre o dorso de um animal de montaria, onde se senta a pessoa que conduz), pelego (pequena coberta de couro de carneiro ou ovelha, com sua lã, colocada acima da sela, para permitir à pessoa que conduz uma cavalgada mais confortável), manta (pequena coberta de tecido grosso ou couro de carneiro ou ovelha, colocada abaixo da sela, para evitar que a sela machuque o lombo da montaria), estribo (estrutura de metal leve que segura o pé de quem conduz, preso à sela por uma correia), cabresto (tira de corda ou couro, não possuindo embocadura, servindo para controlar a velocidade de marcha do animal), rédeas (tiras de corda ou couro para direcionar o animal de montaria, conectadas ao cabresto pelo freio do cavalo) e antolhos (limita a visão do animal e força a olhar apenas para a frente).


Alimentação dos tropeiros

Para facilitar o transporte de alimentos, os tropeiros costumavam carregar ingredientes secos e não perecíveis – capazes de suportar, sem estragar, as longas jornadas – como farinha de mandioca, farinha de milho, feijão, toucinho, charque, sal, alho e café em pó. Esses ingredientes formavam a base da dieta dos tropeiros. 
Nos pousos, comiam feijão quase sem molho com pedaços de carne de sol e toucinho, que era servido com farofa. Assim, esta receita de preparo simples durante as viagens tornou-se um prato básico do cardápio desses homens, daí a origem da designação "feijão tropeiro".

Antes do amanhecer colocava-se o feijão para cozinhar em uma trempe (um tripé de ferro, sob o qual se pendurava a panela sobre o fogo). Este feijão cozido seria aproveitado nas três refeições do dia! Depois do feijão cozido, fritava-se o toucinho e fazia-se o café. O café da manhã dos tropeiros quase sempre era composto por farinha (de milho ou mandioca) acompanhada por feijão com carnes cozidas e café.
O restante do feijão cozido de manhã era colocado num embornal de couro ou caldeirão – sem tempero e escoado da água do cozimento – para ser usado nas próximas refeições diárias.

O café era tido com a sobremesa das três refeições diárias! Para fazê-lo, o pó de café era adicionado juntamente com o açúcar numa água já quente. Quando essa mistura fervia, para fazer o pó decantar (concentrar-se no fundo da panela) mais rapidamente, colocava-se dentro da água alguns carvões em brasa ou pedras que haviam sido aquecidas no fogo do preparo do café. Após rápida espera, virava o café noutra vasilha e distribuíam para os membros da tropa.

Por volta do meio-dia ou depois de aproximadamente 24 Km de jornada, a tropa fazia parada para almoço.
Assim como no café da manhã, fritava-se a carne (charque ou linguiça) numa panela, então colocava-se o feijão já cozido, os temperos e a farinha, fazendo novamente o feijão tropeiro. No almoço e na janta, a comida era enriquecida, eventualmente, com couve, ovos ou outros ingredientes de rápido preparo, recolhidos pelo caminho.
Na sequência preparava-se o arroz tropeiro, fritando torresmo em pedaços, escorrendo o excesso de gordura e depois colocando o arroz para cozinhar.

Reiniciada a jornada, ao final da tarde, aproximadamente uma hora antes do pôr do sol, a comitiva fazia a parada para o preparo do jantar e das tarefas necessárias para o pernoite, prendendo (amarrando ou cercando) e descarregando os animais se fosse uma tropa de comércio, verificando as condições do local de pouso e fazendo os reparos se fosse o caso.
O preparo do jantar era semelhante ao preparado do almoço, acrescido eventualmente de aguardente, para ajudar a enfrentar o frio e dormir apesar das picadas dos mosquitos e outros insetos.

Os locais de parada das tropas eram em pontos fixados pelo planejamento de cada comitiva, que em viagem anterior havia preparado algum tipo de cobertura para os tropeiros se refugiarem do sol, chuva e sereno. Geralmente comia-se e dormia-se no chão. Era usual haver árvores caídas ou cortadas próximo à coberturas, usadas como assentos para as refeições e nas conversas após o jantar e antes de dormir para reiniciar a jornada no dia seguinte.

Os Caminho das Tropas

Os tropeiros inicialmente seguiam por antigos caminhos indígenas, depois foram abertos outros pelas boiadas e pelas tropas de mulas.
Essas trilhas eram chamadas, genericamente, de Caminho das Tropas, e compunham-se por três vias principais:

• Caminho do Viamão (desde 1728), também designado como "Estrada Real": foi o pioneiro e mais utilizado. Partia de Viamão (RS) alcançando Sorocaba (SP). 
• Caminho da Vacaria (desde 1822): partia de Cruz Alta para Vacaria (RS), no Caminho do Viamão, e dali seguia para Sorocaba (SP).
• Caminho das Missões (desde 1845): trazendo o gado criado nas missões jesuíticas espanholas, partia dos campos de São Borja e em bifurcações para Cruz Alta (RS), Palmeira e Ponta Grossa (PR), se unia ao Caminho do Viamão até Sorocaba (SP).

Existiu também um quarto caminho de tropas:
• Caminho da Praia (desde 1728): interligava a Colônia de Sacramento (atual Uruguai) a Laguna (SC), indo pelo litoral desde Montevidéu. Com o tempo foi abandonado para o comércio com Sorocaba, pois a utilização do Caminho de Viamão facilitava o transporte e tarifação das tropas, ficando então como caminho auxiliar na ligação das estâncias instaladas no litoral entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Em Sorocaba, os animais passavam um período de descanso e engorda, para depois serem vendidos, principalmente para Minas Gerais, mas também – em menor quantidade – para o Rio de Janeiro, Mato Grosso e Goiás.

Fases do tropeirismo

Pode-se afirmar que o tropeirismo teve duas fases:

• Ciclo do Ouro (1700 a 1760): primeiramente transportando gado e depois muares do sul do Brasil para as regiões mineradoras em Minas Gerais, onde a população não se dedicava à pecuária e agricultura. A deficiência na quantidade e, posteriormente, na variedade dos alimentos era suprida pelos animais vindos do sul do país. 
Num segundo período, somaram-se às chamadas "tropas de criação" (vacas, bois, e muares, além de porcos e cabras em menor número) as "tropas de comércio", que traziam do Rio de Janeiro produtos industrializados, importados da Europa, e na medida que vendiam ou trocavam seus produtos, iam comprando artesanatos e alimentos locais (mantas, roupas, queijos, doces, etc.), que vendiam no retorno ao Rio de Janeiro, fazendo um diversificado e lucrativo comércio de mão dupla.
Os tropeiros transportavam uma diversidade de mercadorias como sal, açúcar mascavo, vidro para janela, espelho, aguardente, vinho, azeite, tecidos, vinagre, carne seca, peixe seco, fruta seca, sabão, algodão, queijo, manteiga, biscoito, passas, noz, farinha, gengibre, chouriço, salame, doces, etc.
Pode-se dizer que o primeiro "serviço de correio" da história nacional foi desempenhado pelos tropeiros, que também traziam e levavam encomendas para as localidades, que eram acessadas então, em muitos casos, somente pelos caminhos das tropas. Levavam também encomendas particulares (livros, esculturas de santos, armas, celas, etc.), cartas, dinheiro e – informalmente – notícias (políticas, econômicas, religiosas, etc.) 

• Ciclo do Café (1800 a 1930): com o transporte das sacas das fazendas produtoras primeiramente para os portos, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo. 
Num segundo período, com a construção da rede ferroviária no Brasil, as tropas levavam as sacas, em viagens menores, para as estações ferroviárias construídas nas principais regiões produtoras e os trens faziam o transporte até os portos.

Na medida em que a malha rodoviária foi se expandindo no Brasil, nas décadas de 1930 e 1940, o tropeirismo perdeu espaço e ficou restrito em pequenas rotas regionais.

Café transportado por tropas de burros - Zona da Mata mineira

Fontes de referência:

Clube do Caipirão
Tropeirismo



Info Escola
Origem do termo "Gaúcho"

Food n’ Road
Feijão Tropeiro – O prato nômade do Brasil

Tropeiros das Gerais
Esboço histórico da comida do tropeiro
 
Vídeos:

Tropeiros | origem, formação, função e seu legado
( 24:45 )

Documentário - Tropeirismo
( 31:13 )

Tradições do Interior | Tropeiros
( 27:13 )