quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Mitologia Natalina


São Nicolau & Knecht Ruprecht
Knecht Ruprecht (assistente de São Nicolau, encarregado de punir as crianças ruins)
segura um livro onde na capa está escrito Straf Lister ("Lista de Penalidades" em dinamarquês).
Eu não gostaria de ser uma criança e ver esses olhares para mim...

Natividades germanas

O Natal é uma época que já foi celebrada em diferentes datas, tendo variadas denominações e funções para suas personagens principais, dependendo da época e local ao longo da História.
Até o século 4, quando o paganismo dominava a Europa, os homens apelavam para os deuses para tentar amenizar o rigor do inverno, estação que trazia muitas privações, especialmente em relação à comida. Surgiu então a lenda do Velho Inverno, materialização do frio em forma de homem coberto de peles de animais, que percorria as casas pedindo comida e bebida. Acreditava-se que dando o que comer e beber para ele, o frio seria menos rigoroso.
A figura de São Nicolau – considerado o ancestral do Papai Noel – surgiu depois. Nicolau foi bispo em Myra (região conhecida atualmente como Denre, área litorânea da atual Turquia). De acordo com a tradição cristã, ele viveu no século 4 (15 de março de 270 a 6 de dezembro de 345), dando dinheiro aos necessitados e presentes para as crianças. Após sua morte, diferentes milagres foram atribuídos a ele e o religioso foi reconhecido como santo pela Igreja Católica no século 9. No século 13, o dia de sua morte – 6 de dezembro – passou a ser celebrado, dando início à tradição do Santa Claus (ou Sinterklaas), o atual Papai Noel.

Para entender mais sobre as origens da celebração do Natal e do mito do Papai Noel, veja:
HistóriaS
Origem do Natal
https://historiasylvio.blogspot.com.br/2017/12/origem-do-natal.html 

Nesta publicação, tenho por objetivo tratar sobre os costumes das celebrações natalinas dos povos germanos (também chamados germânicos), entre os séculos 16 e 19, onde São Nicolau (Pai Natal ou Papai Noel) sempre surgia acompanhado por entidades encarregadas de punir as crianças consideradas ruins: os Krampus (demônios natalinos), Knecht Ruprecht ("Assistente Ruprecht" na língua germana) ou Zwarte Piet ("Peter Preto" na língua germana). 

Os germanos são um povo ou grupo de povos partilhando uma cultura comum residindo no norte da atual Alemanha e sul da Escandinávia durante o final da Idade do Bronze (1.700-600 a.C.), que posteriormente foi se espalhando, dando origem aos vândalos, lombardos, batavos, anglos, saxões, jutos, burgúndios, francos, suevos, pomeranos, teutões, entre outros, nos territórios atuais da Alemanha, Áustria, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Suíça; também aos godos, visigodos, ostrogodos e vikings na Suécia e Noruega. 

Para saber mais sobre os povos germanos, veja:
Wikipédia
Germanos
https://pt.wikipedia.org/wiki/Germanos 

Mapa dos Povos Germanos (também chamados Povos Germânicos)
Imagem: https://pt.wikipedia.org/wiki/Germanos 

Com o passar do tempo, as condições climáticas mais rigorosas do frio polar na região da Escandinávia – promovendo pouca população e em núcleos isolados – gerou distinções culturais entre os germanos, criando o conceito de Povos Nórdicos (também conhecidos como Povos Germanos do Norte), no conjunto de países da Europa Setentrional e do Atlântico Norte, nos atuais territórios da Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia, Islândia, Ilhas Faroé, Groenlândia (nação dinamarquesa autônoma), Svalbard (arquipélago ártico norueguês) e Aland (arquipélago finlandês autônomo).

Para saber mais sobre os povos nórdicos, veja:
Wikipédia
Escandinávia
https://pt.wikipedia.org/wiki/Escandin%C3%A1via 
e
Mito+Graphos
Mitologia escandinava ou nórdica?
http://mitographos.blogspot.com.br/2013/09/mitologia-escandinava-ou-nordica.html 

Império Romano em sua máxima extensão e os povos germanos

Mapa dos Povos Nórdicos (Povos Germanos do Norte)

Infância rústica 

Entre os povos germânicos, a celebração natalina tem um evidente interesse em reforçar a doutrinação dos mais jovens para a disciplina e obediência visando a produtividade, coerente e necessária com a dura realidade vivida num ambiente com terras cobertas por neve e gelo permanentemente ou durante a maior parte do ano, gerando pouca caça e agricultura. 
No contexto europeu dos séculos 16 a 19, as crianças geralmente não eram percebidas como tendo direitos a uma fase especial de privilégios. Eram protegidas visando a perpetuação da família (consequentemente da comunidade), mas incluídas o mais breve possível nas atividades ligadas à produção, como agricultura, coleta de madeira e frutos, cuida dos rebanhos e criações, etc.  
Alguns exemplos para demonstrar como na época a infância tinha uma proteção mais funcional do que emocional: não era exigido da criança que ela puxasse ou controlasse o arado no plantio (tarefa que exigia força muscular), mas ela deveria estar no campo durante a semeadura para colocar as sementes e cobri-las com terra após a passagem do arado; ainda na agricultura a capina para preparação do plantio era feita por adultos e jovens (adolescentes), mas a condução da vegetação capinada para fora da área de plantio era realizada por crianças; o necessário e constante corte da madeira, bem como a condução de pesados troncos ou galhos grossos, era realizado por adultos e jovens (pela necessidade de força), mas a condução dos galhos mais finos e a tarefa de alimentar diariamente a lareira com a lenha cortada era das crianças; quando havia a possibilidade de criação de animais para abate e fornecimento de pele, a alimentação dos animais e auxílio na vigia e condução para pastoreio eram tarefas destinadas às crianças.

O espírito natalino estava mais para tensão natalina

Se em condições favoráveis a necessidade das tarefas pela sobrevivência dificultavam os mimos, as regiões habitadas pelos germanos impunham mais limitações e exigências, tornando as relações mais rústicas e as mentalidades mais rudes! Poucas terras férteis disponíveis durante poucos meses ao ano e frio extremo causado pelo gelo e neve do clima polar ofereciam escassas oportunidades de fartura ou conforto, numa rotina incompatível com perda de tempo por indolência ou desobediência.
Atualmente as crianças associam o Natal à generosidade, bondade e ganho de presentes. O pior que pode acontecer é não ganhar presente por ser considerada uma criança mal-educada naquele ano pelo Papai Noel. Mas no imaginário das crianças que viviam nos povos germanos – durante os séculos 16 a 19 – o mês de dezembro era uma data tensa, época de julgamento, recompensa ou punição. Era ensinado para as crianças germanas que ao longo do ano Nicolau anotava em seu livro todas as ações e pensamentos de cada pessoa – inclusive os adultos. 
Entre os germanos, o natal era celebrado no dia 6 de dezembro (numa referência à data da morte do bispo Nicolau de Mira – São Nicolau – falecido em 6 de dezembro de 350). Na véspera do natal, São Nicolau visitava as famílias – levando seu livro e acompanhado por ajudante(s) – para premiar ou punir as crianças conforme a soma dos resultados de suas ações. Para as crianças que soubessem rezar e fossem consideradas obedientes e boas naquele ano, Nicolau dava frutas e pequenos presentes. Se a criança não soubesse realizar as orações pedidas, fosse considerada desobediente ou má, era punida pelo(s) ajudante(s) com insultos, empurrões, puxões de cabelos e orelhas, recebendo pedaços de carvão ou comida podre (ao invés de presentes) ou apanhava dos ajudante(s) de Nicolau com um pequeno feixe de varas (usado para tocar rebanhos); recebendo os pais da criança reprovada sapatos para baterem nela quando julgassem necessário ao longo do ano até o próximo natal. Se a criança fosse considerada muito problemática ou ruim, o(s) ajudantes(s) de São Nicolau a sequestrariam para algum lugar na Espanha – onde morava Nicolau – para trabalhar para ele como escrava, até o próximo natal, quando era devolvida à família.
  
Por quê Nicolau morava na Espanha? A Península Ibérica foi dominada pelos mulçumanos por cerca de oito séculos (711 a 1492), período no qual os europeus criaram um imaginário sobre fatos e pessoas que viviam naquela região, que havia se tornado uma parte inacessível e misteriosa do continente. Para as crianças da época, ser levado para aquela região era ter que viver num lugar sem garantias e referências, com costumes e língua desconhecidos e hostis, pois era uma "terra de infiéis" que praticavam todo tipo de maldades. Viver na propriedade de São Nicolau, na Espanha mulçumana, seria como estar numa salvadora ilha de cristandade cercada por um mar de crueldade pagã, um quase inferno onde somente a santa presença de São Nicolau seria a garantia de manter a vida para retornar à sua família mais tarde. Eficiente pedagogia natalina para a intimidação e cooperação dos mais jovens! 

Mapa do Império Muçulmano em sua máxima extensão 

(In)Feliz Natal

No que diz respeito à lógica disciplinadora dos mitos natalinos, durante a Idade Média o Pai Natal atuava sozinho, avaliando as crianças, presenteando (com frutas, doces e pequenos objetos) e também punindo (deixando carvão, batatas podres ou beterrabas podres, eventualmente também batendo). 
Logo após o final da Idade Média, o conceito do Pai Natal foi mais humanizado, seguindo a tendência da literatura romântica típica do período da Renascença, e a premiação (pelo Papai Noel) e punição (por seus ajudantes) foram separados em personagens diferentes, surgindo então os demônios natalinos – Krampus (ainda sob influência da tradição medieval de combate entre o céu e o inferno). Com a retomada do pensamento científico ao longo do Renascimento, as pessoas vestidas como demônios caiam em descrédito junto aos jovens adolescentes, e figuras humanas fortes e ameaçadoras (Knecht Ruprecht e Zwarte Piet) tornaram-se intimidações mais eficientes, por serem realistas.
Segundo as tradições natalinas germanas, os adultos e jovens (entenda-se adolescentes) não seriam punidos pelos acompanhantes de Nicolau porque tais punições – mais severas e permanentes – caberiam a outras entidades místicas. Nicolau se dedicava apenas às crianças, como forma "generosa" de treiná-las desde cedo para que não se tornassem adultos maus, evitando que suas almas fossem consumidas na danação eterna, após a morte.

Vejamos as três personagens mais conhecidas nas tradições natalinas entre os povos germanos: os krampus, Knecht Ruprecht e Zwarte Piet.

Krampus

Krampus são criaturas da mitologia germana que acompanham São Nicolau durante a época do Natal. A palavra krampus vem de Krampen ("garra" no alemão antigo) e estes seres são representados por criatura semelhante a um demônio, com pelos escuros, pés de cabra, cifres e grandes línguas vermelhas. Nas semanas que antecediam ao Natal, São Nicolau capturava e acorrentava alguns dos demônios que andavam pela Terra para que estes punissem as crianças más. Depois do natal, Nicolau libertava os demônios, conservando alguns para tomar conta das crianças que seriam sequestradas por um ano (o que era providencial para explicar para as crianças porque alguns demônios – antigas fantasias – voltavam todos os anos enquanto outros  – novas fantasias – surgiam). 
Se o Papai Noel desaprovasse o comportamento da criança, os krampus a punia empurrando-a, puxando suas orelhas ou cabelos. A tradição na Áustria diz que as crianças más apanham dos krampus com um pequeno feixe de varas (na época usado para tocar rebanhos e animais domésticos) e as mais malvadas seriam colocadas dentro de saco que seria jogado em um rio (gelado pelo inverno), para que sinta muito frio, ou sequestrada e transportada num cesto de madeira (tipicamente usado para carregar os alimentos das colheitas) e levada para um lugar distante (normalmente a Espanha dominada pelos mouros islâmicos) para trabalhar como escrava para São Nicolau por um ano, até a próxima visita de natal à família! 
Tradicionalmente, rapazes se vestem de krampus nas duas primeiras semanas de dezembro, particularmente na noite de 5 de dezembro (no dia 6 de dezembro celebra-se o Dia de São Nicolau), e vagam pelas ruas com correntes e sinos enferrujados, assustando crianças. Em algumas áreas rurais, a tradição também inclui surras aplicadas pelo krampus. As fantasias tradicionais destes seres consistem em uma Larve (máscaras de madeira), pele de ovelha e chifres. A manufatura das máscaras artesanais demanda esforço e vários jovens em comunidades rurais competem nos Eventos do Krampus.
Em torno de 1890, cartões natalinos começaram a ser produzidos com imagens de krampus, para que as famílias enviassem umas para as outras nos dias que antecediam ao natal, como forma dos adultos intimidarem as crianças. Estes cartões conhecidos como Krampuskarten ("Cartões de Krampus", em germânico) frequentemente tinham frases como: Gruss vom Krampus ("Saudações de Krampus") e também Brav Sein! ("Comporte-se!").
Em Oberstdorf, no sudoeste da parte alpina da Baviera (na Alemanha), a tradição do Der Wilde Mann ("O Homem Selvagem" em germano) é mantida. Ele é como o Krampus (exceto pelos chifres), veste peles e assusta crianças (e adultos) com suas correntes e sinos enferrujados, mas não é um assistente de São Nicolau.

Tradição natalina germânica:
São Nicolau premia as crianças boas e que sabem rezar
O Krampus pune as crianças ruins e que não sabem rezar

Cartões natalinos germânicos Gruss vom Krampus (Saudações do Krampus)
A famílias enviavam umas às outras estes simpáticos cartões para que as crianças os vissem
Imagens: https://www.hierophant.com.br/arcano/posts/view/hierophant/3470 

Krampus eram demônios escravizados temporariamente por São Nicolau na época natalina
Os Krampus castigavam e sequestravam as crianças más e que não sabiam rezar
Imagem esquerda: https://br.pinterest.com/pin/117304765264743264 
Imagem direita: https://br.pinterest.com/pin/62135669837364983 

Krampus levando as crianças desaprovadas para a Espanha
onde trabalhariam escravizadas por São Nicolau até o próximo natal
Imagens: https://www.hierophant.com.br/arcano/posts/view/hierophant/3470 

São Nicolau e alguns Krampus na véspera do Dia de São Nicolau
Imagem: https://br.pinterest.com/pin/629589222877312116 

Knecht Ruprecht

Knecht Ruprecht ("Assistente Ruprecht" na língua alemã) – também conhecido como "Criado Rupert" ou "Fazendeiro Rupert" na língua inglesa – é um companheiro de São Nicolau nas visitas natalinas às famílias no dia 5 de dezembro, no folclore da Alemanha e em regiões da Europa que no passado fizeram parte do Sacro Império Romano-Germânico. 
Ruprecht é um homem rústico e muito forte, usa um manto marrom ou preto com um capuz pontiagudo. Tem uma barba preta grossa, com cheiro desagradável. Ele carrega um grande saco cinza, no qual traz batatas podres e beterrabas podres para serem dados às crianças malcriadas, usando este saco para bater nas crianças ruins e nele colocar as crianças consideradas muito ruins naquele ano para levá-las para longe de suas famílias. Ocasionalmente usa pequenos sinos nas roupas e às vezes ele manca por causa de uma lesão na infância. Há versões onde ele monta em um cavalo branco, e às vezes ele é acompanhado por fadas ou homens com rostos enegrecidos vestidos de velhas. As diferentes versões variavam de acordo com a região e o tempo ao longo das gerações.
De acordo com a tradição, Knecht Ruprecht pede às crianças que façam essa ou aquela oração, escolhida aleatoriamente. Se orarem corretamente, elas recebem maçãs, nozes ou pão de gengibre que ele traz nos bolsos de seu manto. Se as crianças não sabem orar ou erram, Ruprecht bate nas crianças com seu saco cinza, com o bastão de madeira ou com o feixe de varas com o qual anda. Outra versão da história conta que ele presenteia as crianças bem-comportadas com doces, enquanto crianças com comportamento inadequado recebiam pedaços de carvão, pedras ou paus, e seus pais recebiam sapatos com sola de madeira para bater nas crianças quando necessário. 

Knecht Ruprecht era o encarregado das punições natalinas
Quanto mais desagradável e realista, melhor para a intimidação das crianças germanas

Knecht Ruprecht

São Nicolau acompanhado por Knecht Ruprecht e pelos Krampus 

Zwarte Piet

Zwarte Piet ("Pedro Preto" na língua holandesa) é o companheiro de Sinterklaas (forma como São Nicolau é conhecido no folclore da Holanda). O personagem apareceu pela primeira vez em um livro ilustrado "São Nicolau e seu Servo", de 1850, do professor da escola de Amsterdã, Jan Schenkman. 
Tradicionalmente, Zwarte Piet é representado por um negro, por ser um mouro da Espanha. Quem o interpreta geralmente coloca a maquiagem preta e roupas coloridas do Renascimento, além de perucas de cabelos encaracolados, batom vermelho e brincos de argolas.
Na tradição holandesa, Sinterklaas visitava as família no dia 5 de dezembro (6 de dezembro da Bélgica), chegando num belo cavalo (geralmente branco) acompanhado por Zwarte Pieten (a pé ou numa mula marrom) que carrega o livro onde são anotadas as boas e más ações ao longo do ano. Ambos viriam da Espanha cavalgando ou em um barco.
É tarefa de Zwarte Pieten dar batatas podres e pedaços de carvão às crianças consideradas ruins por Sinterklaas¸ além de presentear os pais destas crianças com tamancos de madeira para que os mesmos batessem nos filhos quando estes não fossem bons. Também era de Zwarte Pieten a tarefa de colocar num saco e levar para a Espanha as crianças consideradas muito ruins naquele ano, onde trabalhariam forçosamente para Sinterklaas até o natal do ano seguinte, quando seria devolvida à família. Com o passar do tempo suas tarefas foram abrandadas e atualmente consiste em brincar com as crianças e lhes dar Kruidnoten, Pepernoten e Strooigoed (doces típicos de São Nicolau, na tradição da Holanda e Bélgica). Originalmente uma pessoa, Zwarte Pieten tornou-se um conceito e foi multiplicado, surgindo atualmente em grande número deles como ajudantes, como se fossem duendes do Papai Noel.

Inicialmente descrito como um escravo de Sinterklaas, depois tornou-se um servo e por fim um acompanhante voluntário. Tendo as mesmas características de Knecht Ruprecht (forte, rude, e às vezes fedorento), também era descrito com alguém de pouca inteligência e caráter – numa associação com a personificação depreciativa criada pelos cristãos católicos e protestantes dos inimigos mulçumanos que ocupavam a Península Ibérica e tentavam expandir seus domínios por toda Europa.  
Devido ao caráter discriminatório e racista da personagem, esta tornou-se assunto de controvérsia, especialmente nos Países Baixos, com campanhas defendendo que a personagem deve deixar de existir, com o lema "Liberte o Pedro". Tentando evitar problemas e manter a personagem, foi criado o "Pedro Colorido", com pele e cabelo nas cores azul, verde, rosa, lilás, etc., mas ativistas contra a descriminação continuam agindo para que a personagem seja banida das celebrações natalinas.

Sinterklaas (Papai Noel) e Zwarte Piet
Sinterklaas entrega a Zwarte Piet crianças impertinentes para trabalhar na Espanha 
(Cartão natalino holandês de 1885)

Sinterklaas & Zwarte Piet julgando as boas e más ações do ano escritas no livro
Os tradicionais Zwarte Piet e a recente versão colorida pelo politicamente correto 
Imagem: https://www.nu.nl/binnenland/3856738/hoger-beroep-zwarte-piet-zaak-16-oktober.html 

Fontes de referência:

Aventuras na História
Como fazíamos sem... Papai Noel
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/como-faziamos-sem-papai-noel 

Hierophant
Papai Noel, Santa Claus, São Nicolau e a lenda de Krampus
https://www.hierophant.com.br/arcano/posts/view/hierophant/3470 

Wikipédia
Krampus
https://pt.wikipedia.org/wiki/Krampus 

Wikipédia
Knecht Ruprecht
https://en.wikipedia.org/wiki/Knecht_Ruprecht 
(em inglês – usar o tradutor à direita do link após acessar a página)

Wikipédia
Sinterklaas
https://nl.wikipedia.org/wiki/Sinterklaas 
(em holandês – usar o tradutor à direita do link após acessar a página)

Wikipédia
Zwarte Piet
https://en.wikipedia.org/wiki/Zwarte_Piet 
(em inglês – usar o tradutor à direita do link após acessar a página)

Guff
15 tradições de Natal interessantes de todo o mundo
https://guff.com/15-interesting-christmas-traditions-from-around-the-world 
(em inglês – usar o tradutor à direita do link após acessar a página)

sábado, 14 de dezembro de 2019

Revolta de Vila Rica


Julgamento de Filipe dos Santos
Autor: Antônio Parreiras (1923)

A rebelião de Vila Rica
(Conhecida como Revolta de Filipe dos Santos)
Autora: Angela Xavier

Para ter maior controle sobre as riquezas de Vila Rica, o governador resolveu mudar o centro da povoação da Serra do Ouro Preto para o bairro do Pilar. Com isso pretendia tirar a força dos chefes locais, que haviam se tornado muito poderosos após a Guerra dos Emboabas.
Por ser toda furada por minas com caminhos subterrâneos que só os moradores conheciam, a Serra do Ouro Preto se tornou uma região de difícil controle pelas tropas portuguesas.
A arrecadação do quinto do ouro sempre havia sido um problema. Havia o desvio feito através do contrabando ou da corrupção. Os moradores costumavam esconder o ouro em pó ou pequenas pepitas em variados locais. Emparedavam nas construções de pau-a-pique, debaixo do assoalho, dentro de imagens sacras, enterravam e tudo o que mais se pudesse imaginar. Além disso, mandavam fazer joias com o ouro descoberto e alegavam ser antigos patrimônios de família, evitando assim o pagamento da quinta parte devida à Coroa de Portugal. Difícil e desgastante controle, que afligia as autoridades coloniais.
Os conflitos eram constantes entre a população e as autoridades. A Coroa Portuguesa já havia tentado várias formas de cobrança: o quinto – 20% do ouro extraído – ou por capitação, que era uma taxa fixa cobrada por número de mineradores ou seus escravos. Tentou-se ainda cobrar trinta arrobas de ouro como quantia pré-estabelecida a ser paga anualmente pela capitania de Minas Gerais. O que faltasse seria cobrado em forma de Derrama, confiscando o que tivesse valor de qualquer habitante da capitania, começando pelos proprietários de lavras de mineração. Por mais que os portugueses criassem e adaptassem formas de cobranças, ficava claro que muito era sonegado e contrabandeado. Questão de difícil solução.
O excesso de rigor na cobrança dos impostos incitava a revolta entre os mineradores. Até imagens sacras particulares e de procissões eram usadas para esconder e transportar ouro. A situação era tão grave que a Coroa resolveu banir frades das regiões mineradoras e proibir a instalação de novas ordens religiosas. Posteriormente expulsou também os ourives, proibindo nas Gerais a arte de moldar o ouro e as joias. Estas medidas melhoraram o controle sobre a exploração dos metais preciosos, mas ainda longe do ideal. Os comerciantes que traziam mercadorias para os mineradores recebiam ouro em pó e pepitas como pagamento, portanto, sem impostos.
Em 1719, uma Carta Régia criou duas companhias de Dragões, com militares de cavalaria regidos por leis portuguesas, que deveriam proteger o governador, manter a ordem nas mais ricas regiões de mineração e escoltar os comboios do governo que levavam ouro e diamantes para o Rio de Janeiro, para enriquecer a Coroa Portuguesa.
Esse fato afetou a ordem social então estabelecida. Os poderosos da Serra de Ouro Preto tinham seus ordenanças armados desde a Guerra dos Emboabas, mantendo pequenas milícias particulares, além de muitos escravos a seu serviço, que serviam como força de intimidação. Junto com a instituição dos Dragões, foi decretado o desarmamento da população e a ilegalidade das milícias, abalando o poder dos chefes locais, entre eles Paschoal da Silva Guimarães, grande figura local com papel de destaque na Guerra dos Emboabas ao lado de Manuel Nunes Viana. Paschoal recebeu a patente de mestre de campo durante este conflito. Quando os franceses invadiram o Rio de Janeiro para criar a França Antartica, o governador Antônio de Albuquerque saiu das Minas Gerais com expedição para ajudar na expulsão dos invasores, deixando Paschoal em seu lugar para governar interinamente, que na ocasião cedeu trinta de seus escravos, armados, para serem incorporados às forças governamentais. Gente acostumada ao poder não abre mão dele facilmente, e os ricos mineradores e comerciantes engoliram com rancor o aumento da autoridade portuguesa, atentos a uma possibilidade de mudança.
Apesar de melhorar o controle da sociedade mineradora, faltava à Coroa um sistema eficiente para arrecadar as riquezas extraídas das Minas Gerais. A solução planejada foi a criação de quatro Casas de Fundição: em Vila Rica, Sabará, São João del Rei e Serro Frio.
As autoridades portuguesas acreditavam que, vivendo os povos sossegados sob a estreita vigilância, a mineração e os lucros da Coroa aumentariam. Nada era feito para a melhoria da vida da grande massa de escravos, negros e índios livres, mestiços e brancos pobres que aumentava continuamente, constituindo uma fonte de tensão e perigo.
O governador da então capitania de São Paulo e Minas do Ouro, Conde de Assumar, que nutria grande animosidade pelo povo das Minas, assim escreveu sobre eles:
“Os dias nunca amanhecem serenos; o ar é um nublado perpétuo; tudo é frio menos o vício, que está ardendo sempre [...] a terra parece que evapora tumultos; a água exala motins; o ouro toca desaforos; desfilam liberdades os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião; a natureza anda inquieta consigo e, amotinada, lá dentro, é como no inferno”.
A mestiçagem era considerada a principal responsável pelos defeitos da população. Havia um grande desprezo por tudo que vinha dos africanos e índios, considerados incapazes de serem “civilizados” e de se tornarem cidadãos honrados.
A implantação das Casas de Fundição parecia ser a solução ideal para trazer ordem às Gerais. A população deveria levar a estes locais todo o ouro encontrado para, depois de tirada a quinta parte devida ao rei, ser fundido em barras com o selo oficial da Coroa, tornando-o legalizado para circular livremente. Ouro em pó e pepitas era considerado contrabando, sujeitos à prisão e confisco do material.
Os mineradores alegavam que parte do ouro era usurpado na pesagem da fundição e que era difícil e arriscado caminhar as distâncias até as Casas de Fundição. Além disso, a administração do Conde de Assumar era corrupta, permitindo explorações e abusos por parte dos cobradores de impostos, num clima de subornos e injustiças.
Outro fator que agravava ainda mais a situação era o aumento da importância dos paulistas após a Guerra dos Emboabas. Como a capital da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro era em São Paulo, os paulistas ganhavam os cargos mais altos da administração das regiões mineradoras, que gerava progressiva hostilidade entre os mineradores e os administradores. Os paulistas se tornaram os denunciantes dos revolucionários armados. Havia muitos chefes locais com poder respaldado pelo povo.
Vinte cinco dias antes de entrar em vigor a nova lei das Casas de Fundição, o povo de Vila Rica iniciou uma revolta, liderado por Paschoal da Silva Guimarães, Felipe dos Santos e outros. Já era noite quando uma multidão, armada e mascarada, desceu o Morro do Ouro Podre disposta a tudo, trazendo tochas e gritando: – Viva o povo ou morra!
Chegando ao Morro de Santa Quitéria, hoje Praça Tiradentes, os revoltosos se dirigiram para a casa do ouvidor Martinho Vieira, odiado pelo povo. Foi uma estratégia para conseguir a simpatia da população para o movimento. A ação foi bem organizada e contava com a participação de pessoas de posses, frades, doutores e figuras de destaque social em Vila Rica.
O ouvidor fugiu, deixando sua esposa e casa à mercê dos revoltosos. A casa, eles depredaram. Com a mulher não se sabe o que aconteceu. Depois deste ato, estabeleceram o comando revolucionário no alto do Morro de Santa Quitéria, onde acenderam fogueiras e elaboraram uma lista de reivindicações que levariam ao governador, em Mariana. Prepararam a marcha até a vila vizinha, onde se hospedava o Conde de Assumar quando estava nas Gerais.
A caminhada se fez à noite, em número aproximado de duas mil pessoas, decididas a conseguir um acordo ou morrer tentando. A guarda do governador, em Mariana, não foi suficiente para conter os revoltosos e, após breve combate, bateu em retirada. Foi assustador para o conde ver aquela multidão armada, com tochas e máscaras, cercando sua casa. Uma comissão apresentou a ele a lista com as exigências.
O governador, pego de surpresa, estava apavorado com a dimensão do movimento. Concordou com tudo para ganhar tempo, já pensando em não cumprir suas promessas. Os revoltosos acreditaram em sua palavra e retornaram para Vila Rica, dispersando-se em seguida, sentindo-se satisfeitos por conseguirem o que desejavam. Podiam ter aprisionado o conde e mandado-o para o Rio de Janeiro, elegendo um substituto para seu lugar, como fizeram nas Guerra dos Emboabas. Mas agora não tinham um líder com a experiência de Manuel Nunes Viana. Acreditaram no governador. Numa guerra não se pode dar passo em falso e ser generoso com o adversário, pois o preço a ser pago pode ser alto.
Foi o que aconteceu. O conde, refeito do susto, reuniu suas tropas, reforçando-as com escravos e mamelucos armados, e invadiu Vila Rica, rumando diretamente para as casas dos líderes da rebelião e prendendo-os. Felipe dos Santos conseguiu fugir e foi para o povoado de Cachoeira do Campo organizar uma reação popular, mas ali foi preso enquanto falava ao povo. Levado à Vila Rica, foi sumariamente julgado e condenado. Alguns dizem que sofreu a morte prevista aos altos traidores da Coroa Portuguesa: enforcamento seguido de esquartejamento dos membros e cabeça para serem espalhados pela povoação, para servir de exemplo aos que desafiavam a autoridade portuguesa. Outros afirmam que, por ter sido Felipe dos Santos o orador mais exaltado em Vila Rica, no início da revolta, e inflamado os ânimos dos manifestantes em Mariana, foi alvo de morte mais dolorosa e cruel, seguindo o modelo medieval: amarraram cada braço e perna a um cavalo diferente, num total de quatro, e depois açoitaram os animais até que arrancassem os membros do condenado, ainda vivo; depois amarraram noutro cavalo uma corda no pescoço e arrastaram cabeça e o tronco pelas ruas de Vila Rica, com destaque no Morro do Ouro Podre, local onde Felipe dos Santos vivia.  
Presos os ricos e influentes líderes revoltosos de Vila Rica, estes foram levados para a vila de Ribeirão do Carmo – atual Mariana – onde a guarda do governador era mais numerosa. Boatos surgiram de que mascarados e escravos armados pretendiam atacar Ribeirão do Carmo para soltar os prisioneiros. O alferes Manuel de Barros foi encarregado de acabar com o motim. Para minar o moral dos revoltosos de Vila Rica, o governador ordenou atear fogo a todo o arraial do Ouro Podre, onde ficavam as casas de Paschoal da Silva Guimarães, Felipe dos Santos e a maioria dos líderes rebelados.
Em uma noite o fogo destruiu o que levou vinte anos para ser construído. Toda a gente que ali morava viu tudo virar cinzas e escombros. Foi um incêndio infernal! O alferes Manuel de Barros, na pressa de espalhar o fogo, quase morreu sufocado pela fumaça no meio do labirinto de chamas que ele e seus comandados criaram. Sobraram apenas as pedras escurecidas pelo fogo e fumaça das construções mais imponentes. O antigo e poderoso Arraial do Ouro Podre estava destruído. Foi abandonado, associado à humilhação e tristeza, e até hoje assim continua, passando a ser chamado de Morro da Queimada.
O governador mudou-se para Vila Rica, preocupado com a intensidade dos acontecimentos e a grave possibilidade da perda de controle de uma região tão rica. O povo lhe era hostil e, desejando ganhar simpatia, o governador resolveu perdoar os presos da revolta de Vila Rica, com o respaldo do rei de Portugal. Para evitar novo levante, baixou decreto permitindo que a população poderia atirar para matar em qualquer mascarado que fosse encontrado no Morro do Paschoal ou em Vila Rica. Nunca ninguém atirou num mascarado, numa demonstração de apoio dos revoltosos.
O Conde de Assumar, na condição de governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, deveria se limitar a cumprir as ordens vindas do rei de Portugal. Ele não tinha autoridade para condenar ninguém à morte, com fez com Felipe dos Santos. O conde descreveu a situação de forma exagerada, dando a Felipe dos Santos uma autoridade maior do que ele tinha na verdade. Precisava se justificar perante o rei pelo que havia feito. Dizia que as minas mais pareciam “cavernas de feras que domicílios de homens”.
Mas, diante da gravidade dos fatos e do repúdio popular, o conde foi afastado do cargo de governador. Para se ter maior controle da situação nas ricas regiões de mineração, separou-se a capitania de Minas da de São Paulo. Agora haveria um governador cuidando somente dos mineiros, separando definitivamente os paulistas dos emboabas. O primeiro governador da Capitania de Minas Gerais foi D. Lourenço de Almeida, que tomou posse festiva em Ouro Preto, elevada a capital da nova capitania, em 1721, na matriz de Nossa Senhora do Pilar.
As Casas de Fundição só foram implantadas cinco anos depois, quando os ânimos já haviam se acalmado, e se anunciavam novos tempos de riqueza e esplendor.
O Morro do Paschoal é hoje o Morro da Queimada, um conjunto de ruínas de pedras, resto do que foi o grande e rico arraial do Paschoal. Sua casa, que era toda de pedra e ficava entre as capelas de Santana e a de a de São João, foi reduzida a ruínas. Elas existiram até mais ou menos 1940, quando foram arrasadas por pessoas ambiciosas à procura de tesouros escondidos.

Fonte de referência:
Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais (Auguste de Saint-Hilaire)

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Texto adaptado do livro “Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto”, de Angela Leite Xavier.
Págs. 98 a 105.
Edição do Autor; Ouro Preto (MG); 2009 (2ª edição).

Obs.: Esta postagem foi realizada mediante prévia autorização da autora.

Para mais "causos" e contos de Angela Xavier, acesse o blog dela:
Compartilhando Histórias
http://www.angelaleitexavier.blogspot.com.br 

Livro : Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto

O livro reúne mais de 70 histórias, ambientadas do século XVIII até início do XX, coletadas junto a moradores ou em livros sobre a cidade. Olavo Romano, responsável pelo prefácio, afirma que "Ouro Preto era cheia de fantasmas, uma cidade mal iluminada, repleta de capelas e cemitérios, onde ninguém saia de casa depois das 21 horas. Trata-se de um livro que narra a História de Ouro Preto de uma forma agradável, à maneira dos contadores de histórias, e está entremeada de lendas e causos. Começa chamando a atenção do leitor para a necessidade de se preservar aquilo que faz parte da nossa memória e relata a descoberta do ouro, os conflitos que surgiram no início e as revoltas". 
A ênfase do livro é dada às histórias dentro da História, nas curiosidades que os livros de História não relatam, na sociedade que se formou ao redor das minas de ouro com suas crenças, seus valores e sua religiosidade. Relatos de grandes festas, de muitos casos assombrados e tesouros escondidos. A ilustração, com desenhos em bico de pena, é do artista plástico ouro-pretano José Efigênio Pinto Coelho.