sábado, 9 de janeiro de 2016

Mea-culpa

As pequenas corrupções
Autor: Juliano Nery

Orações pelo dinheiro público que chegou ao seu destino, ou seja, na mão de algum desonesto que o esconderá na meia ou na cueca. Coisa que não faríamos, logicamente. Somos honestos. Máfias de parasitas, mensalões e nepotismos políticos não são para nós. Não somos desses, os peixes grandes. Somos afeitos aos pequenos delitos, aqueles que não comprometem ninguém...

O que tem demais tirar uma das 120 bolas de futebol da campanha de arrecadação das doações do Natal, se foi eu quem organizei e arrecadei os brinquedos? Qual o problema em passar numa loja durante o expediente para pagar aquela conta? – Eu vou pagar juros se ela atrasar... Que mal tem em dar uma voltinha no carro da empresa no sábado à noite? Fica caro o táxi para o motel! Eu também sou filho de Deus e se Ele não me deu carro, dever ter colocado o veículo do meu trabalho no caminho para que eu pudesse utilizá-lo, oras...

É por isso que, quando sou responsável pelo posto de saúde, encho os bolsos de paracetamol: vai que eu ou alguém da minha família precise... Nunca se sabe quando teremos dor de cabeça, quando precisarei daquelas 15 caixas de remédio que eu peguei... É melhor prevenir do que remediar. Ou melhor, neste caso é melhor remediar mesmo! O mesmo vale para as filas no banco. Prefiro levar minha mãe, que entra na fila preferencial dos idosos. Tenho muito para fazer e não posso me dar ao luxo de ficar esperando. Como também não posso esperar desocupar uma vaga no estacionamento e não prejudica ninguém usar um pouquinho aquela vaga para cadeirantes que está livre faz tempo. Também tenho meus problemas para resolver!

Por isso, é possível que eu me esqueça de alguns bens e pertences que garantem um desconto na escola do meu filho. Um absurdo o valor da mensalidade! Assim não me lembro de certas coisas na época da declaração do imposto de renda... E o que tem comprar uma ou outra nota fiscal? Deixar dinheiro para os grandes corruptos? Nunca! Não posso dar esse mole. Faço justiça com as próprias mãos e o próprio bolso!

Mas daí a encher a cueca de dólares, superfaturar notas fiscais de compras da prefeitura ou desviar parte da verba para construção da estrada para aquela comunidade, nunca! Isso é coisa de bandido, de gente ruim. Eu não faria isso, jamais. Como podem as pessoas serem assim tão corruptas?

Adaptação do texto retirado das páginas 25 e 26 do livro
Deus sabe de tudo e não é dedo-duro
Funalfa, Juiz de Fora, 2010.

Obs: Postagem realizada mediante prévia solicitação ao autor.

Livro : Deus sabe de tudo e não é dedo-duro
Foto: Sylvio Bazote

Os textos integrantes desta coletânea foram escritos entre o fim de 2008 e início de 2010. 
Constituem um interessante registro e valem pelas reflexões que os temas provocam.

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