Santa Efigênia
Autora: Angela Xavier
Efigênia era uma princesa do
reino da Núbia, na região da África Oriental, abaixo do Egito, e que pertencia
ao Reino da Etiópia. Efigênia deveria se casar com alguém de sua importância
social. Seu pai já havia escolhido o noivo ideal, mas ela não queria se casar.
Ela havia se convertido ao catolicismo e queria ser freira, se manter virgem e
adorar a Deus. Isso era inaceitável para seu pai, rei de um orgulhoso povo. Sua
atitude causava um grande transtorno político, mas Efigênia estava irredutível
em sua decisão.
Ela se tornou monja e
refugiou-se num convento carmelita. Seu noivo, Hytarco, inconformado, ateou
fogo ao mosteiro. O incêndio pouco afetou o local religioso, mas espalhou-se de
modo rápido e destruidor rumo ao palácio do noivo incendiário. Efigênia foi
santificada pela Igreja Católica e é representada carregando uma igreja.
♦
Na antiga Vila Rica, no alto
de uma montanha então pouco povoada onde hoje existe a Ladeira de Santa
Efigênia, havia uma cruz alta de jacarandá que deu nome ao bairro de Alto da
Cruz. Lá se sentavam escravos alforriados e costumavam conversar sobre suas
pátrias distantes e as limitações de suas vidas.
Um dia, quando estavam
sentados ao pé da cruz, os negros viram surgir à sua frente uma negra jovem e
muito bonita, que os consolou com doces palavras. Disse que era uma virgem
cristã de nome Efigênia. Novas aparições aconteceram naquele mesmo local e a
jovem misteriosa conversava com os negros sobre amor, tolerância e paciência.
Um dia ela apareceu e pediu
aos negros que fosse construída naquele local uma igreja, que deveria ter cinco
altares simbolizando os cinco anos em que ela apareceu aos negros ao pé da
cruz. Deveria ter sua frente voltada para o Rio Uamii (Rio das Velhas) e ter
duas torres. A que dava para o nascer do sol teria um relógio e um grande sino.
Na outra torre ficariam os sinos menores. A invocação seria Nossa Senhora do Rosário.
Em sua homenagem, eles deveriam cultivar rosas em seus jardins e, à noite, os
anjos os protegeriam. Por isso até hoje não se usam flores artificiais na
igreja dedicada à Santa Efigência. Depois desse dia ela não voltou a aparecer.
Desde então os negros
começaram a edificar o templo, com auxílio de escravos em seus momentos de
descanso. As negras besuntavam os cabelos com azeite para que o ouro em pó
grudasse neles e, ao lavá-los com água quente, apuravam aos poucos o ouro usado
para auxiliar na construção do templo. Os cativos que queriam a liberdade faziam
promessa de levar à santa coisas de valor. Ainda no início do século XX, por
tradição, havia na Igreja de Santa Efigênia correntes de ouro e prata, jóias e
ouro em pó, guardados num móvel de jacarandá que ficava na sacristia.
Santa Efigênia é a protetora
dos negros, dos solteiros e dos soldados. Todos os anos os soldados da Polícia
Militar vão à sua igreja, no dia 21 de setembro, prestar-lhe homenagem. Diz a
lenda que a santa era devoção dos soldados do 10º Regimento do Exército,
aquartelados onde hoje é o CEFET. Eles foram convocados para uma revolução em
Itabiruna, em São Paulo. Na despedida na estação de trem, em meio à tristeza,
os militares afirmavam que contavam com a proteção de Santa Efigênia. Depois da
partida dos militares, a imagem da santa sumiu do altar. Padre e seus
auxiliares procuraram aflitos a imagem. O cônego pressionou a zeladora, que
afirmou nada saber. Tudo se resolveu quando os soldados do batalhão retornaram
para Ouro Preto. A imagem da santa reapareceu em seu lugar, apesar do padre ter
trocado as chaves da igreja e somente ele as conduzir naquele período. Todos
viram os pés e a barra do manto da imagem sujos de barro e pegadas deixadas no
caminho central da igreja. Afirmaram que a santa foi acompanhar os soldados do
batalhão nos combates e retornou com eles para Ouro Preto.
Anos depois o quartel foi
transferido para Belo Horizonte, com a mudança da capital do estado, e os
militares erigiram próximo ao 1º Batalhão da Brigada Policial uma capela em
devoção a Santa Efigênia, com donativos populares.
Contam ainda que, certa vez,
quando um trem chegou a Vila Rica, desceu dele uma moça negra, muito bonita,
carregando uma grande mala. Ela estava sozinha. Um rapaz, num gentil galanteio
aproximou-se e se ofereceu para carregar a mala da moça até seu destino. Ela
permitiu. Ao pegar a mala, o rapaz tomou um susto, pois não conseguiu
levantá-la do chão, tamanho era seu peso.
– Mas o que há
nessa mala para pesar tanto? – perguntou ele surpreso.
A moça sorriu,
pegou a mala levantando-a sem esforço, e disse:
– Aqui estão os
pecados desta cidade!
E se afastou carregando a bagagem, deixando o
jovem boquiaberto parado na estação ferroviária, sem saber o que dizer ou
fazer.
Os antigos
ouro-pretanos tinham uma máxima:
“Em Ouro Preto
não entra peste e guerra, porque tem em suas extremidades duas invencíveis
sentinelas.”
Referiam-se a
Santa Efigênia no Alto da Cruz e, no outro lado da cidade, ao Senhor Bom Jesus
das Cabeças.
( Ouro Preto - MG )
Igreja de Santa Efigênia
( Ouro Preto - MG )
( Ouro Preto - MG )
Págs. 81 a 85.
Edição do Autor; Ouro Preto (MG); 2009 (2ª edição).
Obs.: Esta postagem foi realizada mediante prévia autorização da autora.
Para mais "causos" e contos de Angela Xavier, acesse o blog dela:
Compartilhando Histórias
http://www.angelaleitexavier.blogspot.com.br
http://www.angelaleitexavier.blogspot.com.br
Livro : Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto
O livro reúne mais de 70 histórias, ambientadas do século XVIII até início do XX, coletadas junto a moradores ou em livros sobre a cidade. Olavo Romano, responsável pelo prefácio, afirma que "Ouro Preto era cheia de fantasmas, uma cidade mal iluminada, repleta de capelas e cemitérios, onde ninguém saia de casa depois das 21 horas. Trata-se de um livro que narra a História de Ouro Preto de uma forma agradável, à maneira dos contadores de histórias, e está entremeada de lendas e causos. Começa chamando a atenção do leitor para a necessidade de se preservar aquilo que faz parte da nossa memória e relata a descoberta do ouro, os conflitos que surgiram no início e as revoltas".
A ênfase do livro é dada às histórias dentro da História, nas curiosidades que os livros de História não relatam, na sociedade que se formou ao redor das minas de ouro com suas crenças, seus valores e sua religiosidade. Relatos de grandes festas, de muitos casos assombrados e tesouros escondidos. A ilustração, com desenhos em bico de pena, é do artista plástico ouro-pretano José Efigênio Pinto Coelho.
A ênfase do livro é dada às histórias dentro da História, nas curiosidades que os livros de História não relatam, na sociedade que se formou ao redor das minas de ouro com suas crenças, seus valores e sua religiosidade. Relatos de grandes festas, de muitos casos assombrados e tesouros escondidos. A ilustração, com desenhos em bico de pena, é do artista plástico ouro-pretano José Efigênio Pinto Coelho.