sábado, 4 de fevereiro de 2017

Ouro sobrenatural


Interior da Mina do Chico Rei
( Ouro Preto - MG )
Foto : Sylvio Bazote
( 25 Jan 2014 )

Ouro encontrado, ouro escondido
Autora: Angela Xavier

O povo costuma dizer: “O ouro é caprichoso. Quando há muita ambição, ele some”. Os relatos que ouvi comprovam esse dito.
Por ocasião da construção da estrada Ouro Preto – Mariana foi necessário fazer um desvio para veículos pesados. Para os serviços de trator foi contratado um homem de apelido Baiano, sujeito forte, moreno, com enormes bigodes, que ele sempre alisava e torcia num cacoete bem característico.  
Trabalhava ele com seu trator, abrindo a estrada, quando topou com um cruzeiro enorme feito de braúna. Ele parou, pensou um pouco e depois passou o trator por cima. Se era para abrir a estrada, devia derrubar tudo que estivesse no caminho. Mas, qual não foi a sua surpresa quando apareceram duas botijas de barro ao pé do cruzeiro. Era do conhecimento de todos que algumas pessoas costumavam enterrar ouro e juntar pouco a pouco, sob o cruzeiro, até ter a quantia suficiente para construir uma capela para o santo de sua devoção. Baiano já havia escutado esta história e por isso estava trêmulo de emoção com a sua descoberta. Tentando despistar, já que seu ajudante nada vira, pediu a ele para comprar qualquer coisa de beber num bar próximo e lhe deu o dinheiro. Quando o ajudante voltou, o trator ainda estava ligado, mas o Baiano havia desaparecido. No chão estavam as botijas de barro, quebradas. Correu pela cidade a notícia de que o Baiano havia encontrado um tesouro. O fato é que, ele nunca mais foi visto por essas bandas.
É crença geral que, quando a pessoa tem um tesouro escondido e morre, ela aparece para mostrar onde ele está. Enquanto isto não acontece, a alma não tem sossego e fica penando. Em busca do descanso eterno, o morto aparece para as pessoas de quem gosta, indicando o local. Essa pessoa deve ir sozinha e não falar do assunto a ninguém.
Mas tem um detalhe: se o tesouro não é para determinada pessoa, que apenas ouviu algum relato e saiu a procurar, não adianta insistir, porque não vai encontrar. Pode estar andando sobre ele, mas não acha.
O caso a seguir ilustra esta crença.

Lá pelos anos 30, 40 do século XX, havia um rapaz muito valentão, conhecido pela alcunha de Teco Mulambo, morador do Alto da Cruz. Ele brigava sempre nas noitadas e batia em todo mundo, mas nunca apanhava. Vivia contando suas façanhas de homem corajoso e indomável. Todos tinham medo dele no Alto da Cruz. Ele costumava ir ao bar e chutar o balcão, derrubando doces e copos. O proprietário nem abria a boca pra reclamar, senão apanhava. O valentão dizia:  Eu não tenho medo de nada! Se encontrar uma mula-sem-cabeça, eu monto nela. Ah! Mas monto mesmo! E se aparecer diante de mim um lobisomem, eu faço toucinho da carne dele.
Era admirador de Lampião, por isso andava com um chapéu de cangaceiro na cabeça. Costumava subir ao Pico do Itacolomi a cavalo e andava por aquelas bandas, sozinho, procurando ouro.
Um dia, Teco Mulambo passou perto do local onde o Baiano havia encontrado o tesouro ao pé do cruzeiro de braúna. Vasculhou todo o local. Bem perto ele avistou uma mina com a entrada escondida pelo mato. Ficou animado com a possibilidade de encontrar ouro lá dentro e desceu do cavalo. Ele era prevenido. Andava sempre com algumas ferramentas, lanterna e uma arma, para caso de emergência. Entrou na mina devagar, cortando o mato com um facão. Lá dentro, tudo era escuro e úmido. Ele acendeu sua lanterna e viu morcegos e coisas esquisitas que corriam à medida que ele entrava. Mas ele só ouvia o barulho da água pingando.
De repente, já no fundo da mina, com sua lanterna servindo de guia, algo o derrubou e a lanterna caiu no chão. Ficou tudo escuro. Então ele ouviu uma voz sussurrando em seu ouvido:  Eu vou te bater.
E ele, que nada temia, respondeu:  Você é quem sabe. Não tenho medo não!
Nessa hora bateu um vento gelado. Ele quis levantar, mas alguma coisa não deixou. Ele foi prensado no chão com força e começou a apanhar como nunca em toda sua vida. Era murro vindo de todos os lados, pontapés, socos, pancadas na cabeça e pescoção. Ele gritava e se debatia. Tentava revidar, mas seus murros se perdiam no nada. Como o lugar era ermo, ninguém podia socorrê-lo.
Depois de muito apanhar, quase desmaiado, o valentão se arrastou até o lado de fora da mina. Tinha hematomas espalhados pelo corpo, sangrava pelo nariz e canto da boca e não sabia dizer quem havia batido nele. Montou com dificuldade no seu cavalo e disparou para longe daquele lugar.
Foi medicado e deixou o tempo passar. Já melhor, resolveu sair. Ao vê-lo de olho roxo e tão maltratado, seus companheiros começaram a caçoar, dizendo que havia aparecido alguém com coragem suficiente para lhe dar uma merecida surra. Ao que ele respondeu: 
 Pra bater em mim, só se for do outro mundo.
E contou sua malfadada aventura em busca de ouro na mina abandonada, deixando a todos boquiabertos. E arrematou grave:
– Para entrar numa mina dessas tem que estar com o espírito preparado, tem que ter o corpo fechado.

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Texto adaptado do livro "Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto", de Angela Leite Xavier.
Obs.: Esta postagem foi realizada mediante prévia autorização da autora.

Para mais "causos" e contos de Angela Xavier, acesse o blog dela:
Compartilhando Histórias

Fonte de consulta:

Ouro Preto . Com
Ouro encontrado, ouro escondido 
http://www.ouropreto.com.br/secao/historias-de-ouro-preto 

Livro : Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto

O livro reúne mais de 70 histórias, ambientadas do século XVIII até início do XX, coletadas junto a moradores ou em livros sobre a cidade. Olavo Romano, responsável pelo prefácio, afirma que "Ouro Preto era cheia de fantasmas, uma cidade mal iluminada, repleta de capelas e cemitérios, onde ninguém saia de casa depois das 21 horas. Trata-se de um livro que narra a História de Ouro Preto de uma forma agradável, à maneira dos contadores de histórias, e está entremeada de lendas e causos. Começa chamando a atenção do leitor para a necessidade de se preservar aquilo que faz parte da nossa memória e relata a descoberta do ouro, os conflitos que surgiram no início e as revoltas". 
A ênfase do livro é dada às histórias dentro da História, nas curiosidades que os livros de História não relatam, na sociedade que se formou ao redor das minas de ouro com suas crenças, seus valores e sua religiosidade. Relatos de grandes festas, de muitos casos assombrados e tesouros escondidos. A ilustração, com desenhos em bico de pena, é do artista plástico ouro-pretano José Efigênio Pinto Coelho.
Fonte: http://www.livrariaouropreto.com/lancamentos.html 

2 comentários:

  1. Muito legal os "causos"! Minas Gerais deve estar cheio de histórias sobre tesouros perdidos.É bom a gente conhecer um pouco mais desse Brasil tão vasto e com tantas características peculiares de cada local. Um abração!

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