Orgulho de mãe
Desde criança, Teodorico já trazia aquele ar
espivetado. Se perguntavam a ele o que ia ser depois de grande, respondia: – Vou ser
rico, uai!
E
explica: – Quero ajudar o pai e a mãe. Pro pai, compro um caminhão novo, pra
mãe, dou o que ela quiser.
Dona
Domitila escutava aquilo, se torcia toda de achar bom. Tinha o maior xodó com o Dorico. Os outros irmãos, mais as meninas, volta e meia reclamavam. Ela
desconversava:
–
Bobagem, gente. Então não sabem que uma mãe é pra cem filhos, um filho não é pra
uma só mãe?
O
ciúme passava, os filhos esqueciam.
Dorico metia os peitos em tudo quanto era
serviço, qualquer coisa que desse dinheiro: foi capataz, ajudando a
levar sal pro gado na invernada; outra, engraxava sapato na praça. Fez muita capina nos quintais dos vizinhos.
Já mais taludo, achou que trabalhar pros
outros não dava camisa a ninguém. Então aprendeu a cortar cabelo, treinou bem
de navalha, fazia barba com bastante segurança. Mas a maioria do povo continuava a cortar cabelo e fazer barba em casa, aquilo não era profissão de futuro. Sem desistir
da barbearia, virou também alfaiate. Uma coisa ajudava a outra, tocava as duas.
Mas o sonho do Dorico, mesmo, era ficar rico.
O jeito de conseguir mais depressa era o jogo, pensou. Foi quando apareceram
com o bicho. Aí, vivia com a cabeça completamente no ar. Sua mãe brincava: – É
bom amarrá uma pedra no pé, meu filho, senão ocê voa...
Ele ria e continuava olhando as nuvens,
vendo as figuras se formando, os bichos aparecendo e desaparecendo no galope
delas pelo céu azul. Vinha aquela agonia danada: "Será que é carneiro
ou cachorro?" Por via das dúvidas, jogava nos dois. Dava burro.
Nunca chegou a ganhar coisa que prestasse. A
mãe, sempre torcendo:
–
Esse menino, nunca vi coisa assim. Um dia ainda há de ficar rico, seja pelo
trabalho, seja por obra da sorte.
Teodorico
não desanimava. Mas ficou achando que em lugar pequeno, como Santana dos
Coqueiros, era difícil romper. Vivia falando que o progresso concentrava era
mesmo na cidade grande. O interior pode ser muito gostoso, aquela vidinha
pacata, não exigia muito, mas quase ninguém ia pra frente.
O
povo achou que Dorico andava maniado. Não podia aparecer gente de fora –
soldado de destacamento, viajante, representante comercial – ele dava um
jeitinho, ia rabeando, fazia conhecimento, começava a especular. Tirava
informação sobre tudo quanto era lugar, o meio de vida de lá, se corria muito
dinheiro, o que rendia mais.
Um dia ele vendeu a alfaiataria, alugou o
salão de barbeiro; botou os cobres no bolso, pediu a benção dos pais, despediu
dos parentes e campou pra capital. A mãe falou que ele ia explorar um negócio
lá, tomara que desse certo, era o que ela mais queria.
Desceu
na rodoviária, veio chegando um homem humilde, mal vestido, de cara triste, mas
com jeito prestativo. Puxou conversa, especulou, convidou Teodorico pra beber
café. Falou de quando resolveu sair de sua cidadezinha, tentar a vida fora. Até
que ia indo, mas a mãe estava mal no interior, tinha de pegar o último ônibus
que restava. Dependendo, talvez nem voltasse. Olhou o Dorico como se quisesse
contar um segredo. Depois, ganhando coragem, disse:
–
Ocê pode não acreditar, mas simpatizei com’ocê, questão de anjo da guarda
combinar. Vou viajar agora pouco, tenho de resolver um negócio importante...
–
Em que posso ser útil?
– Ganhei
na loteria uma bolada, mas não vou ter tempo de receber. Esse negócio da mãe
doente, sabe como é que é...
Foram até um cambista, logo adiante,
conferiram o bilhete: estava premiado com duzentos contos, era o terceiro
prêmio daquele tempo.
Com
um jeito afobado, o homem falou:
–
Meu ônibus sai por agora. Reparto com’ocê o lucro. Quanto cê tem aí?
–
Vinte e cinco conto.
–
Vai lá. Não faço questão de muita coisa não. Como se diz, uma mão lava a outra.
Quem sabe um dia cê ajuda alguém da minha família ou amigo meu?!
Teodorico
recebeu o bilhete, entregou o dinheiro. O homem agradeceu e sumiu.
Tempo
depois, quando o jornal do dia chega a Santana dos Coqueiros, leram para Dona Domitila o título da
notícia com uma foto do Dorico: "Otário cai no conto do bilhete premiado". Ficaram
esperando a reação dela. Ela pensou, calada, depois estufou o peito e falou com
pompa:
– Vejam só que coisa, gente:
meu filho sempre trabalhou feito um danado, nunca conseguiu nada aqui. Mal
chegou lá fora, já tem foto publicada no jornal!