sábado, 26 de agosto de 2017

O trem e a mineirice

O "trem" do mineiro
Autor: Sylvio Bazote

Trem Mineiro

A mineirice e o trem estão intimamente ligados!

O trem é elemento constituinte da história cultural do povo mineiro, sendo fator comum no imaginário, na linguagem, na estética e na música.

Em Minas Gerais, trem deixou de ser objeto e tornou-se conceito, capaz de designar de um simples lápis a uma cidade inteira, definir sentimentos e situações. É comum ouvir expressões como "trem bom", "trem ruim", "trem de doido", "trem estranho", "falando uns trem", entre tantas outras.

O trem cruza por montanhas e vidas, desfila diante de olhares e realidades diversas. Há os trens de carga, vinculados ao progresso e riqueza, que otimizam o transporte de produtos pelo país, gerando empregos e apoiando grandes empresas. Mas são os trens de passageiros, com seu ritmo lento que permite namorar as pessoas e paisagens, que ajudaram a formar e unir amizades e famílias por gerações, consolidando elos afetivos que ainda hoje causam reações emocionadas em quem conviveu com esta realidade.

Na era de realizações do progresso tecnológico no final do século XIX e início do XX, os trilhos costuraram redes de convivência entre cidades e pessoas, diminuindo distâncias e aumentando a comunicação. A chegada da ferrovia em uma cidade era garantia de desenvolvimento econômico e cultural. Trem era prosperidade e novas possibilidades nos lugares por onde passava.

Não sair da linha é seguir nos trilhos! Mineiro se identifica com o jeito contido e forte das locomotivas, com o ritmo tranquilo e confiável de fazer seu trajeto, com o conforto e privacidade que os restaurantes e cabines oferecem. Na segurança e calma oferecidas pelo trem, o mineiro viaja sentindo-se dentro de casa.

É este trem que se tornou íntimo, espécie de amigo com quem se pode contar, que se sabe onde e quando procurar com a certeza de encontrar. É ele que carrega o mineiro que, escondido entre as montanhas, conheceu o mundo, abriu suas terras e seus olhos quando o trem cruzou seu caminho.

O "trem" mineiro é, antes de tudo, um estado de espírito!

Trem em Tiradentes
Imagem: http://uaistreet.com.br/index.php/pt-BR 

Obs: Adaptação de conteúdo disponível na Internet. 

sábado, 12 de agosto de 2017

Fase histórica

Para facilitar a dominação investe-se em alienação ! 

( Homenagem in memoriam aos historiadores no Novo Ensino Médio )

Face Histórica (daqueles que lucram com a falta de informação e memória)
Imagem: http://www.linhadotrem.com.br/2016/09/historia.html 
Autor: Raphael Salimena

sábado, 5 de agosto de 2017

Caça ao tesouro


Mapa : Revista O Cruzeiro, de 10 de janeiro de 1953
Pág. 282 do livro Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto

O tesouro de Cláudio Manuel
Autora: Angela Xavier

Muitos são os buscadores de tesouros em Ouro Preto. Alguns gastaram anos de sua vida em busca de pistas, mapas e sinais que, muitas vezes, não levaram a nada. Mas o ser humano tem uma força dentro de si que o faz se empenhar, embrenhar nas matas, entrar em grutas escuras e desconhecidas, acreditar no improvável, apoiando-se num sonho.
Existe um tesouro ainda escondido: o tesouro de Cláudio Manuel. Talvez um tesouro patriota, guardado para a construção do país, para quando o Brasil se separasse de Portugal.
Muitos foram aqueles que buscaram por ele: o famoso tesouro dos inconfidentes! Seriam muitas arrobas de ouro escondidas num local de difícil acesso, próximo ao Pico do Itacolomi. O local estava indicado em documento, acompanhado de um mapa, com as indicações do local. Teria muitas pedras empilhadas e era preciso muito cuidado, porque elas teriam sido juntadas com certa massa alemã que explodiria dependendo do atrito. O local ficaria perto de uma cachoeira, na junção do Córrego do Baú com o Córrego do Itacolomi. Ali existiria uma grande pedra onde estariam gravadas as letras “CM”, de Cláudio Manuel.
Alguns caçadores de tesouros chegaram a localizar uma mina e entraram dentro até um grande salão. Chegaram a desmanchar muros de pedra dentro da mina e a tal massa alemã não explodiu. Era uma mentira para desencorajar os menos ousados! Aquilo era barro usado na junção das pedras.
O grupo percorreu o que foi possível dentro daquela mina e desmontou muitos muros em busca de vestígios. Havia degraus de pedra por dentro, feitos por escravos. Depois de descer uns dez metros mais ou menos, eles chegaram a um salão. O grupo trabalhou ali por mais de três anos e não achou nada. Dizem que as galerias desta mina chegam até o distrito de Itatiaia.
Um dos membros do grupo morreu dentro da mina, durante a busca do tesouro. Oficialmente a causa da morte foi por um problema cardíaco, agravado por dificuldades respiratórias. O povo comenta que ele foi morto pelo espírito do ouro que tanto buscou.
Nas décadas de 1940 e 1950, havia muitos caçadores de tesouro, percorrendo os arredores de Ouro Preto, na esperança de encontrar o tal Tesouro dos Inconfidentes.
Fato realmente extraordinário aconteceu com os cidadãos ouro-pretanos Inácio Pinheiro e Gilberto de Carvalho, no ano de 1939. O Instituto Butantã comprava cobras, aranhas e escorpiões para fazer vacinas e o então jovem Gilberto de Carvalho saiu procurando tais bichos nas horas de folga para ganhar um dinheiro extra. Revirando o porão de sua casa, onde fora a antiga Casa de Fundição de Ouro Preto, hoje Colé Presentes, ele encontrou uma caixa de madeira e dentro dela alguns documentos muito antigos, preservados em carvão. O documento era de 1788 e assinado por Domingos Affonso Bastos, que transcrevo na íntegra:

Bocaina do Triphuy

Aos 12 dias do mês de dezembro do ano do nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de 1788.
Senhor Doutor Cláudio Manoel da Costa, por esta carta só tenho que fazer uma confissão sobre a vinda do senhor Domingos aqui. Passei algumas aflições para cumprir as tuas ordens, mas na mesma noite eu e o senhor Domingos matamos os sete escravos e o capataz, de acordo com seus mandados, e por minha conta matei a mulher do capataz. Isto fiz para nosso tamanho sacrifício não ser descoberto. Depois que me coube esta missão de derramar tanto sangue não deixei nenhuma testemunha a não ser a terra porque esta não tem boca para falar.
A mina, fechei o portão com a chave, dei algumas cargas para fazer o arreamento. Conforme o senhor queria não pôde ser devido as cargas mais fundas negarem. Só arriou uns 20 passos... A chave da mina deixei atrás do arco da ponte dentro de uma pedra lavrada, isto é, na entrada da ponte vindo da Vila para cá e o ouro que a mina produziu neste dois meses foram 405 barras com o peso de 3 libras e meia cada uma e para fundir mais 214 arrobas. Não tive tempo de embarrar tudo devido a sua carta e a minha moléstia que tem agravado mais. Tenho posto muito sangue estes dias. Pobre de um homem hético que deseja trabalhar e não pode e creio que não espero estes dias de nossa tranquilidade e como estou muito desconfiado com meu estado.
Declaro aqui que encontrei uma mina velha e esta aproveitei para esconder este ouro já apurado, 405 libras que estavam aqui. Esta mina só tem uns 60 passos de fundura e nela fiz um arreamento de 20 passos que é bastante, para o caso de perigo não ser descoberto este ouro apurado e como o senhor não sabe onde fica esta mina... a partir da ponte pelo rio acima do lado esquerdo fica este em frente do fojo que o senhor pegou os quatis, distante do fojo 16 passos da mina nova fica distante 380 passos, isto é, para o saber tudo.
Com esta carta também vai este desenho para melhor o senhor compreender caso o senhor queira tirar este ouro com pouco trabalho; no fundo da mina velha tem um suspiro e neste pus uma cruz de braúna conforme este desenho.
Domingos Affonso Bastos”

Imediatamente Gilberto entrou em contato com Inácio Pinheiro e os dois saíram atrás das indicações daquele tesouro. Seguiam o roteiro indicado no documento e chegaram à pedra lavrada no arco da ponte de Bocaina do Tripuí. Emocionados, tiraram a pedra e, dentro do local, encontraram uma chave de ouro maciço. Prosseguindo nas buscas, encontraram os nove esqueletos dos sete escravos, do capataz e sua mulher, mortos na ocasião do ocultamento do tesouro. Tudo ocorria de acordo com as indicações. Eles estavam muito animados e contrataram homens para ajudar.
A chave deu 64 gramas de ouro que eles venderam por um conto e quinhentos. Precisavam de dinheiro para prosseguir com as buscas. Gilberto de Carvalho comprou o terreno onde estaria a mina e passou a buscá-la incessantemente. Apostou tudo que tinha nesse sonho, mas não conseguiu encontrar a mina. Nas palavras do próprio Gilberto:
– De minha parte gastei 40 contos nas pesquisas. A mina deveria estar ali por perto. Mas esta é uma região em que os efeitos da erosão são quase inacreditáveis. É muito comum uma bananeira “viajar” muitos metros dentro desses quintais de Ouro Preto.
Esse foi o motivo alegado para o fato da mina não ter sido encontrada depois de anos de buscas.
Aos dois pesquisadores, juntou-se José da Costa Carvalho Filho, e os três foram ao Rio de Janeiro pedir financiamento. Precisavam de capital para continuarem as buscas do grande tesouro que seria dividido entre eles e o Governo Federal.
Getúlio Vargas era muito sentimental em relação a Ouro Preto por haver estudado na cidade em sua juventude. Ordenou o empréstimo de 300 contos de réis para a empreitada. Os pesquisadores do tesouro passaram meses no Rio de Janeiro às voltas com o Ministério da Fazenda, o Banco do Brasil e o Código Civil. Tamanha burocracia jogou por terra as pretensões dos três sonhadores e, com pouco dinheiro, voltaram decepcionados para Ouro Preto.
Esses homens passaram o resto de suas vidas atrás deste sonho: encontrar o tesouro do inconfidente Cláudio Manuel da Costa. Gastaram dinheiro, energia e tempo na empreitada. Não foram vitoriosos, mas viveram uma grande aventura.
– Posso dizer que conheço Ouro Preto por cima e por baixo da terra. Está tudo esburacado. Mais de uma vez penetrei nesse labirinto num dia, para sair exausto no dia seguinte. É uma coisa louca o entrelaçado das antigas minas abandonadas. Podem me chamar de doido, mas acredito na existência desses tesouros. Disse Inácio Pinheiro.

Obs: Documento original, mapa e reportagem da revista O Cruzeiro, de 10 de janeiro de 1953, fornecidos pela família de Gilberto de Carvalho.

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Texto adaptado do livro “Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto”, de Angela Leite Xavier.
Págs. 279 a 284.
Edição do Autor; Ouro Preto (MG); 2009 (2ª edição).

Obs.: Esta postagem foi realizada mediante prévia autorização da autora.

Para mais "causos" e contos de Angela Xavier, acesse o blog dela:
Compartilhando Histórias
http://www.angelaleitexavier.blogspot.com.br 

Livro : Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto

O livro reúne mais de 70 histórias, ambientadas do século XVIII até início do XX, coletadas junto a moradores ou em livros sobre a cidade. Olavo Romano, responsável pelo prefácio, afirma que "Ouro Preto era cheia de fantasmas, uma cidade mal iluminada, repleta de capelas e cemitérios, onde ninguém saia de casa depois das 21 horas. Trata-se de um livro que narra a História de Ouro Preto de uma forma agradável, à maneira dos contadores de histórias, e está entremeada de lendas e causos. Começa chamando a atenção do leitor para a necessidade de se preservar aquilo que faz parte da nossa memória e relata a descoberta do ouro, os conflitos que surgiram no início e as revoltas". 
A ênfase do livro é dada às histórias dentro da História, nas curiosidades que os livros de História não relatam, na sociedade que se formou ao redor das minas de ouro com suas crenças, seus valores e sua religiosidade. Relatos de grandes festas, de muitos casos assombrados e tesouros escondidos. A ilustração, com desenhos em bico de pena, é do artista plástico ouro-pretano José Efigênio Pinto Coelho.