As pequenas corrupções
Autor: Juliano Nery
Orações
pelo dinheiro público que chegou ao seu destino, ou seja, na mão de algum desonesto
que o esconderá na meia ou na cueca. Coisa que não faríamos, logicamente. Somos
honestos. Máfias de parasitas, mensalões e nepotismos políticos não são para
nós. Não somos desses, os peixes grandes. Somos afeitos aos pequenos delitos,
aqueles que não comprometem ninguém...
O que tem
demais tirar uma das 120 bolas de futebol da campanha de arrecadação das
doações do Natal, se foi eu quem organizei e arrecadei os brinquedos? Qual o
problema em passar numa loja durante o expediente para pagar aquela conta? – Eu
vou pagar juros se ela atrasar... Que mal tem em dar uma voltinha no carro da
empresa no sábado à noite? Fica caro o táxi para o motel! Eu também sou filho
de Deus e se Ele não me deu carro, dever ter colocado o veículo do meu trabalho
no caminho para que eu pudesse utilizá-lo, oras...
É por isso
que, quando sou responsável pelo posto de saúde, encho os bolsos de
paracetamol: vai que eu ou alguém da minha família precise... Nunca se sabe
quando teremos dor de cabeça, quando precisarei daquelas 15 caixas de remédio
que eu peguei... É melhor prevenir do que remediar. Ou melhor, neste caso é
melhor remediar mesmo! O mesmo vale para as filas no banco. Prefiro levar minha
mãe, que entra na fila preferencial dos idosos. Tenho muito para fazer e não
posso me dar ao luxo de ficar esperando. Como também não posso esperar
desocupar uma vaga no estacionamento e não prejudica ninguém usar um pouquinho
aquela vaga para cadeirantes que está livre faz tempo. Também tenho meus problemas
para resolver!
Por isso, é
possível que eu me esqueça de alguns bens e pertences que garantem um desconto
na escola do meu filho. Um absurdo o valor da mensalidade! Assim não me lembro
de certas coisas na época da declaração do imposto de renda... E o que tem
comprar uma ou outra nota fiscal? Deixar dinheiro para os grandes corruptos? Nunca!
Não posso dar esse mole. Faço justiça com as próprias mãos e o próprio bolso!
Mas daí a
encher a cueca de dólares, superfaturar notas fiscais de compras da prefeitura
ou desviar parte da verba para construção da estrada para aquela comunidade,
nunca! Isso é coisa de bandido, de gente ruim. Eu não faria isso, jamais. Como
podem as pessoas serem assim tão corruptas?
Adaptação do texto retirado das páginas 25 e 26 do livro
Deus sabe
de tudo e não é dedo-duro
Funalfa, Juiz de Fora, 2010.
Obs: Postagem realizada mediante prévia solicitação ao autor.
Foto: Sylvio Bazote
Os textos integrantes desta coletânea foram escritos entre o fim de 2008 e início de 2010.
Constituem um interessante registro e valem pelas reflexões que os temas provocam.
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