Semelhanças e diferenças entre as inconfidências mineira e baiana
A Inconfidência Mineira (1789) e a Inconfidência Baiana (1798) têm em comum o fato de serem reprimidas pela Coroa Portuguesa ainda na fase de preparativos e o desejo de autonomia de seus participantes, pois consideravam-se prejudicados e excluídos dos benefícios pelos quais acreditavam ter direito de usufruir em sua plenitude.
O que diferencia os eventos é que em Minas Gerais buscava-se conservar e aproveitar as riquezas minerais da terra, notoriamente na forma de diamantes, ouro e, já no final do século XIX, o ferro, essencial para e indústrias e as armas necessárias ao desenvolvimento econômico e independência. Na Bahia destaca-se a luta pela igualdade racial, se não como objetivo último, certamente como o meio necessário para que os envolvidos pudessem alcançar as chefias militares e os cargos civis que possibilitariam prestígio, poder e riqueza.
Apesar de algumas opiniões contraditórias, percebe-se que o diferencial entre as duas conjurações é o fato de que a Conjuração Mineira teve um caráter elitista em sua organização e execução até o fim, enquanto a Conjuração Baiana, ao adquirir contornos mais radicais e populares, causou o afastamento dos líderes intelectuais da elite local que organizaram inicialmente o movimento, fazendo com que mulatos, escravos, brancos pobres e negros libertos se transformassem nos cabeças do levante.
O pioneirismo da Conjuração Mineira e da Conjuração Baiana
A Conjuração Mineira foi o primeiro movimento de caráter republicano na história brasileira que pretendia a adesão de outras capitanias, formando um Estado Brasileiro que fragmentaria ou acabaria com a América Portuguesa, enquanto a Conjuração Baiana, mais ampla e popular em sua composição social e proposta, foi a primeira revolução articulada pelas camadas populares que pretendiam uma república abolicionista, defendendo o fim da escravidão e a participação igualitária de todas as raças na administração pública.
A participação da Maçonaria na Inconfidência Mineira e na Inconfidência Baiana
Devido à repressão que enfrentou ao longo do tempo, por motivos religiosos ou políticos, a Maçonaria tornou-se uma entidade reservada, dificultando uma pesquisa adequada de sua cronologia ou atuação nos movimentos ocorridos, o que abre espaço para lendas e especulações sem confirmação. A participação maçônica em alguns episódios brasileiros poderia ser erroneamente creditada por conta do fato dos conspiradores se reunirem em associações secretas, inspirados pelas mesmas ideias iluministas e libertárias que caracterizavam os encontros da Maçonaria. Outro engano comum na época dos movimentos era o das autoridades dos regimes monárquicos caracterizarem qualquer simpatia às ideias republicanas como “francezias”, associando sempre regimes republicanos com Revolução Francesa e Maçonaria.
Segundo Ricardo Mário Gonçalves, a Maçonaria é uma “sociedade de pensamento, convívio fraterno e filantropia, de caráter internacional, restrita ao sexo masculino, mais discreta do que secreta, fundada na Inglaterra em 1717, tomando por modelo as agremiações medievais de pedreiros” (Gonçalves, 1994, p. 505). Distinguia-se das outras sociedades de pensamento [...] por difundir um corpo doutrinário que misturava influências diversas “como os Mistérios da Antiguidade Pagã, o Pitagorismo, a Cabala, o Hermetismo, etc., transmitidos aos membros por ritos iniciáticos, símbolos e instruções”. (Ibidem, p. 505). A Maçonaria agiu como foco de veiculação de idéias do Iluminismo e Liberalismo, tendo reunido elementos de diferentes estratos das elites, passando por cima das diferenças: donos de manufaturas, homens de ciência e intelectuais locais (Outran, 1995, p. 25). Nos países latinos, pela perseguição que sofreu da Igreja Católica a partir de 1738, a Maçonaria assumiu uma feição secreta anticlerical. Fez-se presente em Portugal desde cerca de 1740, havendo nas lojas portuguesas a presença de várias pessoas nascidas no Brasil. Malgrado a existência de proibição de qualquer tipo de associação voluntária no Brasil antes da chegada da família real, em 1808. (Neves, 2003, p. 34).
(...)
A primeira loja maçônica aqui estabelecida data de 1797: a “Cavaleiro da Luz”, fundada na Bahia, a que se seguiu a criação de várias lojas no Rio e na Bahia, reprimidas em 1806, pelo Conde dos Arcos (Gonçalves, 1994, p. 506). Há hipóteses de que a Inconfidência Mineira de 1788-9 tenha sido “um movimento ligado à Maçonaria” (Leite, 1991, p. 22). Após 1808, a loja Grande Oriente foi o veículo de difusão das idéias maçônicas, tendo exercido, junto com as sociedades secretas, importante papel na Independência do Brasil (Neves, 2003, p. 34). Segundo Francisco Muniz Tavares, a “Grande Oriente, ou Governo Supremo da Sociedade”, sediava-se na Bahia, residência do maior número dos sócios, que tinham sido iniciados e elevados aos altos graus na Europa. O temor de comprometimento, e a crassa ignorância, restringia a aquisição de adeptos em todas as províncias, fora a de Pernambuco, que já em 1816, contava debaixo da direção de uma Grande Loja Provincial quatro lojas regulares compostas de pessoas distintas por ciência e virtudes. (Villalta, 2003:62).
Pode-se afirmar que a participação em território brasileiro da Maçonaria durante a Conjuração Mineira foi inexistente ou, na melhor das hipóteses, insignificante, uma vez que não havia em Minas Gerais nenhuma loja maçônica ou comprovação de que a maioria dos líderes do movimento fossem maçons. A Maçonaria se faz presente na divulgação dos ideais iluministas na Europa, influenciando os brasileiros que lá faziam seus estudos e na rede de conhecidos que facilitou contatos antes e depois da conspiração, buscando apoio político em um primeiro momento e amparando os condenados e seus familiares após a execução das sentenças.
A atuação da Maçonaria na Inconfidência [Mineira] foi discretíssima; teve um papel muito menor do que já se tentou mostrar e do que aquele que os maçons em geral acreditam. Não podia ser de outra forma, pois essa sociedade proibida dava os primeiros passos no Brasil. Todavia, é um dos elementos que compõem o quadro de relações complexas que levaram Minas Gerais ao confronto com o status colonial e não pode ser ignorado. (Jardim, 1989:143).
Há controvérsias sobre a existência ou não da loja maçônica Cavaleiros da Luz em Salvador e sua vinculação com a Maçonaria existente na Europa. Alguns estudiosos afirmam que não existiu uma instituição maçônica organizada, mas sim simpatizantes pertencentes à elite local baiana das ideias iluministas que também eram adotadas pela Maçonaria. Para os defensores desta teoria, mesmo que tal loja existisse, não poderia se creditar sua participação no movimento baiano, uma vez que é nítido o afastamento dos intelectuais que fariam parte da Maçonaria, à medida que a ideologia revolucionária tomava características mais radicais nas propostas, com a adesão de grande número de pessoas pobres ou sem instrução.
Mesmo que existisse a loja Cavaleiros da Luz, com reduzido número de participantes e sem comunicação com outros maçons no Brasil ou no exterior, esta teria sido desativada durante o processo de repressão do governo, com a fuga, prisão ou simples desistência de seus participantes. Diferentemente dos mineiros, os baianos sentenciados ao degredo não contaram com apoio político ou financeiro da rede maçônica europeia e seus familiares que permaneceram no Brasil passaram por grandes dificuldades materiais.
Tavares (1975) afirma que certamente havia “homens de consideração”, brasileiros letrados vivendo na Bahia que formaram um pensamento contra o Absolutismo Monárquico, se reunindo para discutir essas ideias, mas não há certeza se esse grupo chegou a estruturar qualquer organização secreta, maçônica ou não. Há indícios que em 14 de julho de 1797 teriam fundado, nos arredores da povoação da Barra, a associação secreta Cavaleiros da Luz, talvez instalada na casa do farmacêutico João Ladislau de Figueiredo e Melo. Fato é que nas investigações que se seguiram às denúncias, nenhuma pessoa ou fato relativos à Barra são apontados nos autos da Conjuração Baiana.
A possível organização da loja Cavaleiros da Luz estaria intimamente ligada à presença em Salvador, no início de julho de 1797, do comandante da fragata francesa La Preneuse, o capitão da marinha de guerra francesa Antoine René Larcher. As reuniões preparatórias teriam sido realizadas a bordo da fragata, sob liderança do comandante Larcher. Tavares (1975), no entanto, afirma que os registros comprovam a chegada de Larcher em Salvador, com esposa e duas filhas, apenas em novembro de 1797, sendo impossível, portanto, participar em julho da fundação da loja maçônica.
O círculo de ouvintes do comandante Larcher inclui pessoas de projeção, como o padre Francisco Agostinho Gomes, o professor Francisco Muniz Barreto de Aragão, o cirurgião Cipriano José Barata de Almeida e outros mais.
Influenciados pelo comandante Larcher, um grupo de baianos, pertencentes aos segmentos médios da sociedade, fundou, na Barra, os Cavaleiros da Luz. “Era (...) uma espécie de magistério que instruía e despertava entusiasmo pela República. [...]
Como fundadores da nova loja macônica encontravam-se o tenente Hermógenes Francisco Aguillar Pantoja, o padre Francisco Agostinho Gomes, o professor Francisco Moniz Barreto de Aragão, o cirurgião Cipriano José Barata de Almeida, o alferes Domingos da Silva Lisboa [...], o professor José da Silva Lisboa, o rico boticário João Ladislau de Figueiredo e Melo, o poderoso proprietário de terras e de escravos Inácio de Siqueira Bulcão e alguns poucos mais.
Esse grupo secreto costumava reunir-se na casa de João Ladislau, não permitindo a presença de mulheres e elementos das camadas populares, especialmente negros e mulatos. A não ser o mulato Domingos da Silva Lisboa.
Não obstante os Cavaleiros da Luz projetarem a independência do Brasil, continuaram presos a preconceitos de cor e de classe social. Talvez a exceção fosse o tenente Hermógenes, freqüentador assíduo da casa do escravo Luís Pires e de comprovadas ligações com os soldados Lucas Dantas e Luís Gonzaga, ambos mulatos. (Aquino, 2001:114-115).
Elitista X Popular
Oliveira (1970) afirma que as lideranças revolucionárias sempre foram formadas por intelectuais. As revoluções francesa e russa, cada uma originadora de uma nova forma de organização social, tiveram importantes pensadores que orientaram as forças populares em direção à busca de soluções para os problemas que causaram a necessidade de ruptura com o modo de viver vigente. Nesse sentido, a definição de um movimento como elitista ou popular seria definido mais pela meta desejada do que pela origem da realização.
Comparando as duas conjurações a partir do patrimônio de seus integrantes confiscados pela Coroa Portuguesa, fica nítida a diferença de nível social e posses dos envolvidos. Na relação dos bens confiscados, a Conjuração Mineira apresenta propriedades rurais e urbanas, muitos escravos, grande quantidade de móveis, livros, roupas e utensílios domésticos, contrastando com a nítida carência material da maioria dos envolvidos na Conjuração Baiana onde, dos 22 envolvidos que tiveram seus bens raptados pela Fazenda Real, 14 nada possuíam além da roupa do corpo, 5 possuíam poucos móveis domésticos, sem grande valor, e apenas 3 tinham patrimônio que incluía poucos escravos e alguns livros, sendo que nenhuma propriedade ou valor financeiro foi apreendido.
A Conjuração Mineira, composta em sua organização e futura cúpula basicamente por ricos fazendeiros e mineradores, militares, padres, magistrados e poetas, tem um perfil elitista em seu planejamento do que seria a futura república. Pode-se afirmar que desejavam reformas políticas visando autonomia, mas não sociais, mudando os dirigentes e mantendo, na medida do possível, o mesmo sistema social.
As diferenças entre os projetos das conjurações mineira e baiana podem ser percebidas facilmente pelo exame de como compreendiam “liberdade”, “pátria” e “nação”. Tiradentes resumiu com perfeição o que os mineiros tomavam por liberdade, ao afirmar que “os mazombos [os naturais da colônia] também tinham valimento e sabiam governar; e que dando a sua terra tantos haveres, se achavam pobres por lhe tirarem tudo para fora, [...] pois que a terra não podia pagar e que tudo ia para o Reino.” (Adim, 1980, vol. 1, p. 124).
(...)
A liberdade surgia, portanto, de uma análise e uma compreensão que transitavam do econômico para o político; confunde-se com uma ruptura política, que seria desencadeada tendo como estopim um arrocho tributário; ruptura esta, ainda, cujo conteúdo não é declarado, mas que claramente anuncia o fim da pobreza, a realização de um potencial de riqueza. (Villalta, 2003:68-69).
A Conjuração Baiana, composta por militares de baixo nível hierárquico, artesãos, escravos e intelectuais, possuía um perfil popular, tanto dos participantes quanto das aspirações, com um evidente caráter socialista de participação de todos. Independentemente de raça ou condição social, defendiam o acesso ao poder e melhores condições de vida, em uma democracia tanto social quanto racial, ao ponto de um de seus líderes, em depoimento, afirmar que pretendia que os ricos tivessem um pouco menos para que os pobres pudessem ter um pouco mais.
Maestri (2008) defende a tese de que as ideias democráticas e revolucionárias francesas foram acolhidas pelos membros das elites baianas, adaptadas por trabalhadores e soldados de cor, sobretudo de Salvador, que as adequaram à realidade social de então, resultando daí o mais liberal programa político proposto no Brasil até a abolição.
Ainda segundo o autor, fica nítido o caráter popular da Conjuração Baiana diante da apropriação e reelaboração oral, por parte da população pobre e analfabeta, das reivindicações escritas nos panfletos revolucionários, apresentando novos desejos das classes subalternas não presentes nos textos, como o tabelamento do preço da carne, relatados nos depoimentos da devassa baiana. Essa reconstrução dos conteúdos das mensagens é normal em uma sociedade em que o principal veículo de socialização das informações era a comunicação oral interpessoal, demonstrando o interesse e identificação que os anseios revolucionários causavam na população.
A questão da escravidão
Diferença marcante entre as conjurações é sobre a igualdade racial, ignorada pelos mineiros e defendida pelos baianos. Os mineiros consideravam o fim da escravidão uma opção desaconselhável, a ser adotada apenas como recurso extremo, na necessidade de reforçar as tropas locais na luta pela independência ou impedir que os cativos se aliassem aos portugueses.
O fato da conspiração [baiana] ser sobretudo obra de humildes trabalhadores de cor explicaria por que conseguiu – fato único na história do Brasil – incorporar ao movimento trabalhadores escravizados e propor o fim da escravatura, certamente sob a inspiração da decisão da Convenção francesa de abolir a instituição, nas colônias francesas, em 1794. [...]
A significativa participação de trabalhadores escravizados no movimento e a proposição da abolição da escravatura asseguravam ao movimento um caráter socialmente revolucionário, já que, na Bahia e no Brasil de então, o escravismo era a forma hegemônica de exploração do trabalho. A eventual vitória do movimento e consecução de seu programa anteciparia, ao menos na Bahia, em quase um século, a vigência de relações de trabalho livre. [...]
Talvez a grande debilidade da Conspiração dos Alfaiates tenha sido a falta de tempo ou de condições de concluírem o movimento que esses homens livres pobres realizaram em direção das massas escravizadas, iniciativa jamais tentada, novamente, na história do Brasil. [...] O Estado colonial impôs aos conspiradores castigo à altura da transgressão. Havia que reprimir, duramente, aqueles homens que, não suportando “em paz a diferença de condições e desigualdade de fortunas, de que se compõem a admirável obra da sociedade civil”, quiseram impor os “princípios anti-sociais de igualdade absoluta”, “sem distinção de cores e de estudos” – como lembra os autos do processo. (Maestri, 2008).
Independência X Liberdade
Ambos os movimentos buscavam autonomia para que os habitantes locais pudessem estabelecer as regras e usufruir dos benefícios das sociedades em que viviam.
Entre os mineiros a motivação para a luta era por soberania, não liberdade, o que explica o fim da escravidão não ser uma das prioridades. Entre os baianos, a igualdade estava entre os princípios fundamentais de sua luta, portanto a liberdade do fim da escravidão era meta essencial.
Para os setores ricos da sociedade colonial, a liberdade causada pela independência tinha significado político e econômico, como mostram seus objetivos: supressão dos monopólios, liberdade de comércio e controle direto da máquina do Estado. Para a maioria da população, liberdade tinha conotação social, implicando o término das relações com Portugal (Brasil 500 Anos, 1999).
Movimento regional ou nacional
A Conjuração Mineira tinha em seu projeto inicial convidar capitanias vizinhas para se tornarem independentes em regime federativo, onde manteriam uma autonomia dentro de um sistema unitário republicano que gradativamente englobaria toda a América portuguesa em uma nação.
A Conjuração Baiana pretendia se livrar da dominação portuguesa na capitania da Bahia, proclamando uma “República Bahiense”, tendo Salvador como capital. A intenção era aumentar os salários dos militares, diminuir os impostos, abrir os portos para negociar com todas as nações amigas, abolir a escravidão e desenvolver um governo com igualdade racial. Não havia a intenção inicial de procurar aliados e libertar toda a colônia brasileira, sendo este um movimento de caráter regional.
É interessante conhecer os conceitos de “nação” e “pátria” existentes naquela época, para diferenciar um movimento de caráter nacional de um regional.
A historiografia, nas últimas décadas, vem enfatizando o caráter impreciso, quase etéreo, da idéia de Brasil existente no período colonial. [...] O Brasil foi freqüentemente mais um projeto do que uma realidade, às vezes geográfica, às vezes nacional ou até social. [...] De meados do século XVIII aos inícios do XIX, o Brasil, aos olhos dos estrangeiros que o estudavam e/ou visitavam era de um “continente”, designação genérica de uma realidade na qual não viam unidade e, no caso de alguns, sublinhavam a diversidade. [...] A unidade do Brasil contra Portugal teve que ser construída, processo que comportou instabilidade, ressentimentos e rancores e, não se pode esquecer, o uso das armas, contra Portugal e contra o que soava como secessão. [...] O fantasma da ameaça à ordem social – exorcizado pelos mineiros em 1789, dado o elitismo do movimento, fator de recuo das elites baianas, em relação à sedição de 1798 e experiência vivenciada em Pernambuco, em 1817 – afloraria novamente nos idos de 1822. Embora não tenha calado a secessão, ajudou a pavimentar o êxito de um projeto que representava a continuidade renovada do Império luso-brasileiro contra o qual os pernambucanos se voltaram: o Império do Brasil, sob a hegemonia do Centro-Sul. O desenrolar do processo de Independência, no Brasil, por fim, a partir de 1822, implicou uma associação estreita entre a idéia liberal e a idéia nacional, agora sim, opondo brasileiros a portugueses. (Villalta, 2003:63-64).
A ideia de “nação” é uma construção ideológica, surgida com a Revolução Francesa, feita pelas classes dominantes e pelos Estados que dela se servem, onde se destaca ou cria certa unidade imaginária. Seus fundamentos variam conforme a história e interesses dos governantes, diferentes conforme o momento: quando os franceses disputavam a região da Alsácia com os alemães, região em que se falava o alemão e onde os costumes eram similares ao deste povo, diziam que a nação era o grupo dos que querem viver juntos enquanto os alemães afirmavam que o fundamento da nação era a comunhão da língua e de costumes.
Villalta (2003) mostra um conceito de nação em estreita conexão com a ideia de liberdade, já demonstrada entre os conjurados mineiros, podendo esta ser avaliada a partir da denúncia do português Basílio de Brito Malheiros do Lago, quando este afirmou que: “conheci desde que vim para a América, nos nacionais dela, interno desejo de se sacudirem fora da obediência que devem prestar aos seus legítimos Soberanos, mas antes patenteiam uma interior vontade de fazerem do Brasil uma república livre, assim como fizeram os americanos ingleses”. “Nacionais”, nesse caso, significa naturais, “nascidos em”. Sob esta forma de concepção, existiriam os nacionais de Minas Gerais, os nacionais da Bahia, e daí por diante nas demais capitanias. Nacional, portanto, teria um caráter regional, da forma como entendemos atualmente.
O conceito de pátria não transparece nas ideias divulgadas pelos baianos, e a ideia de nacionalidade permanece ambivalente.
Na “república democrática” almejada pelos baianos, “os acessos e lugares representativos” seriam “comuns, sem diferença de cor, nem de condição, onde eles ocupariam os primeiros ministérios, vivendo debaixo d’uma geral abundância e contentamento”. Na revolução preconizada pelos pasquins e pelo discurso preponderante entre os conjurados, frise-se, não se colocava a abolição. Segundo Lucas Dantas, a revolução envolveria uma guerra no interior da sociedade baiana e instituiria uma sociedade fundada na igualdade jurídica entre os indivíduos de cores diferentes, um governo democrático estabelecido nos limites da capitania da Bahia e exercido por homens capazes e de maior juízo, não importando de que nação fosse – que aqui pode ser compreendida, quem sabe, como naturalidade, nos mesmos termos que em Minas, ou como naturalidade vincada a Estado, isto é, remetendo a uma naturalidade que se dá sob o domínio de um Estado instituído. (Villalta, 2003: 73).
O rigor das condenações
Na Conjuração Mineira em 1789 uma pessoa foi executada após julgamento, enquanto na Conjuração Baiana em 1798 foram quatro.
Em Minas Gerais foram condenadas quatorze pessoas à morte, sendo três destas padres. A realização de apenas uma execução se deve à intervenção da rainha portuguesa, D. Maria I. As apelações do advogado de defesa foram todas indeferidas na época, em parte porque os juízes já tinham em sua posse a carta régia que determinava o abrandamento das sentenças, o que permite apenas imaginar a hipótese de que os condenados com maior riqueza provavelmente teriam suas sentenças de enforcamento modificadas para degredo na África, enquanto os com menor prestígio seriam executados.
Na Bahia, foram seis condenações à morte, sendo que um condenado conseguiu fugir e nunca foi encontrado e outro teve sua sentença de enforcamento modificada, após apelação do advogado, para degredo na África. As outras quatro sentenças foram cumpridas.
Os baianos em 1798 não contaram com a indulgência da rainha Maria I, uma vez que em 10 de fevereiro de 1792 esta foi interditada devido a seu progressivo desequilíbrio mental, ocasião em que seu filho (futuro D. João VI) assumiu os assuntos de Estado.
Se em Minas Gerais, dois negros foram condenados ao açoitamento, na Bahia, foram dez os condenados a 500 chicotadas.
Na Conjuração Mineira foram dezessete os condenados ao degredo na África, todos em território sob domínio português, o que facilitava os contatos necessários à reconstrução da vida por parte dos exilados, que desempenharam funções administrativas, técnicas ou braçais, dependendo de suas habilidades. Dos dezessete exilados, sete foram condenados ao degredo perpétuo e dez foram condenados ao exílio, em período que variava de 8 a 10 anos.
Alguns exilados contaram com uma rede de apoio por parte da Maçonaria, que amparou financeiramente suas famílias no Brasil e, através de contatos partindo do Brasil e Europa, facilitaram a inserção dos condenados no cotidiano das colônias portuguesas.
Na Conjuração Baiana, foram sete condenados ao degredo perpétuo na África, todos em território fora dos domínio português, o que equivalia praticamente a uma sentença de morte, uma vez que o exilado era deixado no local estabelecido, sozinho, debilitado pelas 500 chibatas e má alimentação, apenas com a roupa do corpo e sem conseguir se comunicar com os habitantes do lugar devido a diferença de línguas. Estes condenados não contaram com a ajuda da Maçonaria, como aconteceu com os condenados de Minas Gerais, nem suas famílias, já pobres e que depois dos confiscos passaram a viver na miséria, puderam ajudá-los. Também não tinham recursos ou contatos na África que possibilitassem o pedido da revisão de suas penas. Todos os baianos exilados na África morreram neste continente, diferentemente de alguns condenados mineiros que, após pedidos de revisão de suas penas e afirmando-se arrependidos, retornaram ao Brasil após alguns anos de exílio, aproveitando anistia oferecida por D. João VI.
Dois escravos envolvidos na Conjuração Baiana, após as 500 chicotadas, foram vendidos para senhores no Rio Grande do Sul, onde tiveram um vida difícil e curta, devido ao frio com roupas precárias e o tratamento mais rigoroso e bruto dispensado aos negros no local, agravado pela condição de rebeldes com que foram comprados.
Conspirações e revoltas republicanas no Brasil Colônia e Império
Os movimentos aqui destacados não foram os únicos da época. Estavam inseridos em uma conjuntura maior de contestações e desejo de mudanças, que tinham nos ideais republicanos a alternativa contra o governo então estabelecido e um desejo de romper os vínculos com Portugal.
Período Colonial
• 1789 – Conjuração Mineira (Minas Gerais)
• 1794 – Conjuração Carioca (Rio de Janeiro)
• 1798 – Conjuração Baiana (Bahia)
• 1801 – Conspiração dos Suassunas (Pernambuco)
• 1817 – Revolução Pernambucana (Pernambuco)
• 1817 – República do Crato (Ceará)
Período Imperial
• 1824 – Confederação do Equador (Pernambuco)
• 1835 - 1845 – Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul)
• 1837 - 1838 – Sabinada (Bahia)
• 1885 e 1902 – República de Cunani (Amapá)
Referências:
Mundo Educação
Inconfidência Mineira X Conjuração Baiana
Brasil Escola
Inconfidência Mineira X Conjuração Baiana
Uol Educação
Inconfidência Mineira: Conjuração Baiana foi mais significativa segundo historiador